sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Necrologia- A morte de Gildo Marçal Brandão:: Michael Zaidan

Conheci o Gildo Marçal Brandão, nos idos da década de 70, quando fui seu anfitrião na UnB, por ocasião da reunião anual da SBPC em Brasília. Brandão tinha notícias indiretamente de meu trabalho em Pernambuco, por conta de um amigo comum: o historiador alagoano Denis Bernardes.

Nesse período, O Gildo estava fortemente envolvido com a geração responsável pela reogarnização do PCB em São Paulo: David Capistrano, Marco Aurélio Nogueira, Cláudio Guedes e outros).

Com a grande greve da Universidade de Brasília, a minha prisão e o processo na Polícia Federal, me exilei em São Paulo na casa do Gildo, que era jornalista da Folha de São Paulo. Em sua casa, entrei em contato direto com a cultura comunista reformada, os colaboradores de Temas e o universo pessoal e familiar de Gildo.

Foi dessa época a grande discussão da política editorial comunista. Sob a inspiração d e G. Lucaks (e Chasin) a questão era: quem deve participar da revista: aí falava mais alto a alma generosa do comunista nordestino, de família patriarcal- a revista devia acatar desde as contribuições do padre jesuíta Cláudio Henrique de Lima Vaz até as contribuições da esquerda propriamente dita.

Celso Frederico, que estava chegando nesse momento, dizia brincando que o padre Lima Vaz jamais tinha tido notícia da revista. Mas em compensação a revista publicou o que havia de melhor na teoria e na política comunista e não comunista, da época.

Posso dizer que foi Gildo o meu primeiro editor e o grande estimulador das minhas, pesquisas e publicações sobre a história do comunismo brasileiro através da LECH e outras editoras.

Foi Gildo também o responsável, sem o saber, pela minha militância no PCB ainda em São Paulo. O que, aliás, me custou caro na UNICAMP, onde imperava um anticomunismo feroz.

Enquanto o Gildo editava o semnário A Voz da Unidade, em São Paulo, mal desconfiava Gildo que nós ajudávamos a distribuir o jornal em Pernambuco, numa época que as bancas de revista não queriam fazê-lo.

Golpeado pela luta interna no Comitê Central, Gildo afastou-se do jornal e amargou um período de isolamento e dificuldades. Reencontrei-o procurando voltar a USP, como estudante de Ciência Política, com a ajuda de Francisco Weffort. Na ANPOCS, brinquei com ele, disse que ele era como a fênix comunista, nunca morria, sempre renascia mais jovem e moderno.

Depois, já o vi na condição de professor de Ciência Política, no lançamento de seu livro "As duas almas do PCB". E aí aproveitei para brincar,outra vez, dizendo que estranhava que um materialista falasse de alma no livro. Ele sorriu. Finalmente, o reencontrei na conferência na UFPE sobre as linhagens do pensamento político brasileiro, quando elogiamos o estilo de análise social e histórica do pensamento político, numa época do triunfo da escolha racional nos estudos políticos e institucionais.

A partir daí, não pude mais vê-lo, apesar de insistentes pedidos para que viesse participar de eventos nossos. Sua situação cardiológica não permitiria. Foi assim, com surpresa que recebi a notícia por nossa amiga comum, Emília Moraes, de sua morte súbita em São Paulo. Como disse Emília, foi-se um pedaço importante da história de nossas vidas em comum.
Michael Zaidan é professor da Universidade Federal de Pernambuco

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