DEU NO VALOR ECONÔMICO
"O Serra ainda não deu o depoimento dele porque, por incrível que pareça, está mais ocupado agora do que quando era governador". O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comentava a exposição que acabara de inaugurar sobre o Plano Real na sede da fundação que leva seu nome.
Numa das salas, uma dúzia de nomes simetricamente expostos com botão e fone de ouvido oferecem depoimentos sobre os primórdios do plano de estabilização da moeda.
Uma grande parte dos depoentes era plateia de FHC naquela manhã de segunda-feira - Gustavo Franco, Pérsio Arida, Edmar Bacha. José Serra, de fato, estava ausente da lista.Muito cumprimentada ao entrar, a jornalista Miriam Leitão, protagonista de entrevero recente com o pré-candidato tucano sobre a autonomia do Banco Central, logo arrumaria lugar para sentar num auditório que, lotado, já oferecia aos sobressalentes um telão do lado de fora.
Entre os presentes, poucos colaboradores de Serra, como Andrea Matarazzo, que acabou de assumir a Secretaria de Cultura do Estado e não palpita nos seus planos para a economia brasileira.
Dos palestrantes, ouviriam que era chegada a hora de se resgatar o sistema financeiro mundial para sua função primeira de fomento da produção (Felipe González, ex-primeiro-ministro espanhol); que a crise punha em xeque o padrão-dólar (Ricardo Lagos, ex-presidente chileno); e que não se poderia sair do fundamentalismo de mercado para a utopia regressiva de controle total do Estado (FHC).
A sucessão brasileira não estava em pauta, mas os estrangeiros não conseguiram passar ao largo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. González saudou os esforços da diplomacia brasileira no Irã, país que definiu como o epicentro da nova desordem internacional; e Julio Maria Sanguinetti (ex-presidente do Uruguai) a resistência de Lula, em contraste com as manobras de Álvaro Uribe (Colômbia), à tentação de buscar uma mudança constitucional pelo terceiro mandato.
Os quatro ex-presidentes cruzariam a pé o Vale do Anhangabaú para a segunda parte do encontro, almoço oferecido pela BMF&Bovespa, patrocinadora da exposição do Plano Real.
Lá todos seriam apresentados à mais encorpada investida da instituição para o próximo mandato presidencial: fazer deslanchar o Brasil Investimentos & Negócios (Brain), nome novo que arrumaram para o conjunto de iniciativas que ficara conhecido como Plano Ômega.
Pelas conjeturas que gera ao lançar o Brasil como polo da indústria financeira internacional num momento em que a ordem está de ponta cabeça, seus organizadores principiam pelo que não se pretende fazer do país: paraíso fiscal (Bahamas), centro offshore (Suíça), zona franca para finanças (Dubai), conversibilidade total da moeda (Inglaterra), economia dolarizada (Panamá), economia superexposta a finanças (Islândia) e sociedade excessivamente alavancada (EUA).
Para viabilizar o modelo que começou a ser gestado quando o país alcançou o grau de investimento, em 2008, há requisitos como "aprimoramentos do sistema tributário", "liberdade a fluxos de capitais com baixos obstáculos e custos" e "simplificação de forma gradativa e prudente da burocracia de entrada e saída de capitais".
Ao final do encontro, Paulo de Souza Oliveira Jr., executivo contratado para dirigir o projeto, resume as ambições do projeto: "Não é uma política de governo, mas de Estado".
Diz que a Brain será levada a debate na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e já está na pauta de discussão com os candidatos. A conversa está mais avançada com a candidata do PT, Dilma Rousseff, convidada da Bolsa para um seminário hoje com investidores estrangeiros em Nova York.
Serra ficou para outro encontro que a Bolsa deve promover em Londres. A Brain acha que o Banco Central é a Santa Sé? O diretor da Brain mede as palavras e despista: "Foi apenas uma declaração. A liberdade do BC de fato tem sido suficiente. A de direito é uma agenda de governo, não é nossa, mas o que aconteceu até agora tem sido muito benéfico para o país. A política de metas de inflação é indispensável".
Parece haver poucas dúvidas de que a Brain está em comunhão com a plateia do IFHC. A notícia de que Antonio Palocci não vai tentar a reeleição à Câmara também emite um sinal eloquente de que o petista mais afeiçoado aos tucanos do Real deverá ter sua dedicação integral à campanha de Dilma retribuída à altura.
Resta compatibilizar as manifestas insatisfações de Serra em relação ao Banco Central com os objetivos de um projeto que, além da própria autoridade monetária brasileira e da Bovespa, tem o envolvimento da Febraban, da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Dadas as dificuldades de o pré-candidato do PSDB responder serenamente sobre como compatibilizar o crescimento vigoroso de longo prazo que pretende e a manutenção do regime de metas de inflação, um calhamaço ("Política Monetária, bancos centrais e metas de inflação", FGV, 2009) escrito por gente que vê ruídos nesse dueto oferece algumas pistas.
O livro tem prefácio de Yoshiaki Nakano e artigos assinados por mais de duas dezenas de economistas, entre eles Luiz Carlos Bresser Pereira, tucano que sempre se perfilou ao lado de Serra durante o reinado de Pedro Malan.
Lá estão levantadas propostas como a ampliação do colegiado que hoje compõe o Conselho Monetário Nacional; a adoção de um horizonte mais flexível para o cumprimento da meta de inflação; e a instituição de controle de capitais.
Parecem claras as divergências entre os autores desse livro e a plateia do IFHC sobre a influência das políticas monetária e fiscal no crescimento. No discurso que fará hoje em Nova York, Dilma pode sinalizar o quão domesticada foi sobre o tema. Serra ainda terá sua oportunidade. Talvez os investidores estrangeiros tenham mais sorte que os jornalistas.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
"O Serra ainda não deu o depoimento dele porque, por incrível que pareça, está mais ocupado agora do que quando era governador". O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comentava a exposição que acabara de inaugurar sobre o Plano Real na sede da fundação que leva seu nome.
Numa das salas, uma dúzia de nomes simetricamente expostos com botão e fone de ouvido oferecem depoimentos sobre os primórdios do plano de estabilização da moeda.
Uma grande parte dos depoentes era plateia de FHC naquela manhã de segunda-feira - Gustavo Franco, Pérsio Arida, Edmar Bacha. José Serra, de fato, estava ausente da lista.Muito cumprimentada ao entrar, a jornalista Miriam Leitão, protagonista de entrevero recente com o pré-candidato tucano sobre a autonomia do Banco Central, logo arrumaria lugar para sentar num auditório que, lotado, já oferecia aos sobressalentes um telão do lado de fora.
Entre os presentes, poucos colaboradores de Serra, como Andrea Matarazzo, que acabou de assumir a Secretaria de Cultura do Estado e não palpita nos seus planos para a economia brasileira.
Dos palestrantes, ouviriam que era chegada a hora de se resgatar o sistema financeiro mundial para sua função primeira de fomento da produção (Felipe González, ex-primeiro-ministro espanhol); que a crise punha em xeque o padrão-dólar (Ricardo Lagos, ex-presidente chileno); e que não se poderia sair do fundamentalismo de mercado para a utopia regressiva de controle total do Estado (FHC).
A sucessão brasileira não estava em pauta, mas os estrangeiros não conseguiram passar ao largo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. González saudou os esforços da diplomacia brasileira no Irã, país que definiu como o epicentro da nova desordem internacional; e Julio Maria Sanguinetti (ex-presidente do Uruguai) a resistência de Lula, em contraste com as manobras de Álvaro Uribe (Colômbia), à tentação de buscar uma mudança constitucional pelo terceiro mandato.
Os quatro ex-presidentes cruzariam a pé o Vale do Anhangabaú para a segunda parte do encontro, almoço oferecido pela BMF&Bovespa, patrocinadora da exposição do Plano Real.
Lá todos seriam apresentados à mais encorpada investida da instituição para o próximo mandato presidencial: fazer deslanchar o Brasil Investimentos & Negócios (Brain), nome novo que arrumaram para o conjunto de iniciativas que ficara conhecido como Plano Ômega.
Pelas conjeturas que gera ao lançar o Brasil como polo da indústria financeira internacional num momento em que a ordem está de ponta cabeça, seus organizadores principiam pelo que não se pretende fazer do país: paraíso fiscal (Bahamas), centro offshore (Suíça), zona franca para finanças (Dubai), conversibilidade total da moeda (Inglaterra), economia dolarizada (Panamá), economia superexposta a finanças (Islândia) e sociedade excessivamente alavancada (EUA).
Para viabilizar o modelo que começou a ser gestado quando o país alcançou o grau de investimento, em 2008, há requisitos como "aprimoramentos do sistema tributário", "liberdade a fluxos de capitais com baixos obstáculos e custos" e "simplificação de forma gradativa e prudente da burocracia de entrada e saída de capitais".
Ao final do encontro, Paulo de Souza Oliveira Jr., executivo contratado para dirigir o projeto, resume as ambições do projeto: "Não é uma política de governo, mas de Estado".
Diz que a Brain será levada a debate na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e já está na pauta de discussão com os candidatos. A conversa está mais avançada com a candidata do PT, Dilma Rousseff, convidada da Bolsa para um seminário hoje com investidores estrangeiros em Nova York.
Serra ficou para outro encontro que a Bolsa deve promover em Londres. A Brain acha que o Banco Central é a Santa Sé? O diretor da Brain mede as palavras e despista: "Foi apenas uma declaração. A liberdade do BC de fato tem sido suficiente. A de direito é uma agenda de governo, não é nossa, mas o que aconteceu até agora tem sido muito benéfico para o país. A política de metas de inflação é indispensável".
Parece haver poucas dúvidas de que a Brain está em comunhão com a plateia do IFHC. A notícia de que Antonio Palocci não vai tentar a reeleição à Câmara também emite um sinal eloquente de que o petista mais afeiçoado aos tucanos do Real deverá ter sua dedicação integral à campanha de Dilma retribuída à altura.
Resta compatibilizar as manifestas insatisfações de Serra em relação ao Banco Central com os objetivos de um projeto que, além da própria autoridade monetária brasileira e da Bovespa, tem o envolvimento da Febraban, da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Dadas as dificuldades de o pré-candidato do PSDB responder serenamente sobre como compatibilizar o crescimento vigoroso de longo prazo que pretende e a manutenção do regime de metas de inflação, um calhamaço ("Política Monetária, bancos centrais e metas de inflação", FGV, 2009) escrito por gente que vê ruídos nesse dueto oferece algumas pistas.
O livro tem prefácio de Yoshiaki Nakano e artigos assinados por mais de duas dezenas de economistas, entre eles Luiz Carlos Bresser Pereira, tucano que sempre se perfilou ao lado de Serra durante o reinado de Pedro Malan.
Lá estão levantadas propostas como a ampliação do colegiado que hoje compõe o Conselho Monetário Nacional; a adoção de um horizonte mais flexível para o cumprimento da meta de inflação; e a instituição de controle de capitais.
Parecem claras as divergências entre os autores desse livro e a plateia do IFHC sobre a influência das políticas monetária e fiscal no crescimento. No discurso que fará hoje em Nova York, Dilma pode sinalizar o quão domesticada foi sobre o tema. Serra ainda terá sua oportunidade. Talvez os investidores estrangeiros tenham mais sorte que os jornalistas.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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