De repente, naqueles dias, começaram
a desaparecer pessoas. Estranhamente
desaparecia-se.Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Ia-se colher a flor oferta
e se esvanecia.
Eclipsava-se entre um endereço e outro
ou no táxi que se ia.
Culpado ou não, sumia-se
ao regressar do escritório ou da orgia.
Entre um trago de conhaque
e um aceno de mão, o bebedor sumia.
Evaporava o pai
ao encontro da filha que não via.
Mães segurando filhos e compras,
gestantes com tricots ou grupos de estudantes
desapareciam.
Desapareciam amantes em pleno beijo
e médicos em meio à cirurgia.
Mecânicos se diluíam
mal ligavam o torno do dia.
Desaparecia. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Desparecia-se a olhos vistos
e não era miopia.Desparecia-se
até à primeira vista. Bastava
que alguém vissse um desaparecido
e o desaparecido desaparecia.
Desaparecia o mais conspícuo
e o mais obscuro sumia.
Até deputados e presidentes evanesciam.
Sacerdotes, igualmente, levitando
iam, aerefeitos, constatar no além
como os pecadores partiam.
.....................................................
Se fosse ao tempo da Bíblia,eu diria
que carros de fogo arrebatavam os mais puros
em mística euforia. Não era. É ironia.
E os que estavam perto,em pânico, fingiam
que não viam.Se abstraíam.
Continuavam seu baralho a conversar demências
com o ausente, como se ele estivesse ali sorrindo
com suas roupas e dentes.
Em toda família à mesa havia
uma cadeira vazia, a qual se dirigiam.
Servia-se comida fria ao extinguido parente
e isto alimentava ficções
-nas salas mentes
enquanto no palácio, remorsos vivos
boiavam
-na sopa do presidente.
As flores olhando a cena, não compreendiam.
Indagavam dos pássaros, que emudeciam.
As janelas das casas, mal podiam crer
-no que não viam.
As pedras, no entanto,
gravavam os nomes dos fantasmas,
pois sabiam que quando chegasse a hora
por serem pedras, falariam.
O desaparecido é como um rio:
- se tem nascente, tem foz.
Se teve corpo, tem ou terá voz.
Não há verme que em sua fome
roa totalmente um nome.O nome
habita as vísceras da fera
como a vítima corrói o algoz.
E surgiram sinais precisos
de que os desaparecidos, cansados
de desaparecerem vivos
iam aparecer mesmo mortos
florescendo com seus corpos
a primavera de ossos.
...........................
Desaparecia-se.Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Os atores no palco
entre um gesto e outro e os da platéia
enquanto riam.
Não, não era fácil
ser poeta naqueles dias.
Porque os poetas, sobretudo,
-desapareciam.
* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no CD "Affonso Romano de Sant'Anna por Tônia Carrero" da Coleção "Poesia Falada".
a desaparecer pessoas. Estranhamente
desaparecia-se.Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Ia-se colher a flor oferta
e se esvanecia.
Eclipsava-se entre um endereço e outro
ou no táxi que se ia.
Culpado ou não, sumia-se
ao regressar do escritório ou da orgia.
Entre um trago de conhaque
e um aceno de mão, o bebedor sumia.
Evaporava o pai
ao encontro da filha que não via.
Mães segurando filhos e compras,
gestantes com tricots ou grupos de estudantes
desapareciam.
Desapareciam amantes em pleno beijo
e médicos em meio à cirurgia.
Mecânicos se diluíam
mal ligavam o torno do dia.
Desaparecia. Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Desparecia-se a olhos vistos
e não era miopia.Desparecia-se
até à primeira vista. Bastava
que alguém vissse um desaparecido
e o desaparecido desaparecia.
Desaparecia o mais conspícuo
e o mais obscuro sumia.
Até deputados e presidentes evanesciam.
Sacerdotes, igualmente, levitando
iam, aerefeitos, constatar no além
como os pecadores partiam.
.....................................................
Se fosse ao tempo da Bíblia,eu diria
que carros de fogo arrebatavam os mais puros
em mística euforia. Não era. É ironia.
E os que estavam perto,em pânico, fingiam
que não viam.Se abstraíam.
Continuavam seu baralho a conversar demências
com o ausente, como se ele estivesse ali sorrindo
com suas roupas e dentes.
Em toda família à mesa havia
uma cadeira vazia, a qual se dirigiam.
Servia-se comida fria ao extinguido parente
e isto alimentava ficções
-nas salas mentes
enquanto no palácio, remorsos vivos
boiavam
-na sopa do presidente.
As flores olhando a cena, não compreendiam.
Indagavam dos pássaros, que emudeciam.
As janelas das casas, mal podiam crer
-no que não viam.
As pedras, no entanto,
gravavam os nomes dos fantasmas,
pois sabiam que quando chegasse a hora
por serem pedras, falariam.
O desaparecido é como um rio:
- se tem nascente, tem foz.
Se teve corpo, tem ou terá voz.
Não há verme que em sua fome
roa totalmente um nome.O nome
habita as vísceras da fera
como a vítima corrói o algoz.
E surgiram sinais precisos
de que os desaparecidos, cansados
de desaparecerem vivos
iam aparecer mesmo mortos
florescendo com seus corpos
a primavera de ossos.
...........................
Desaparecia-se.Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Os atores no palco
entre um gesto e outro e os da platéia
enquanto riam.
Não, não era fácil
ser poeta naqueles dias.
Porque os poetas, sobretudo,
-desapareciam.
* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no CD "Affonso Romano de Sant'Anna por Tônia Carrero" da Coleção "Poesia Falada".
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