“ Meu tio Elson se orgulhava de suportar a tortura. Foi preso muitas vezes e durante o Estado Novo e nos primeiros anos da ditadura pós-64. Era um homem aparentemente pacato, se não soubéssemos que dedicava a vida ao Partido Comunista Brasileiro. Suas aparições familiares transmitiam firmeza e serenidade, sem qualquer ansiedade proselitista. Seu orgulho era do tipo antigo: supunha ainda que os próprios aparelhos repressivos mantinham um limite – digamos com toda a ironia – “civilizado” , e que o que estava em jogo na tortura era antes de tudo uma aposta férrea de convicções disputada sobre o próprio corpo. Uma vez solto, voltava sobriamente ao trabalho clandestino em meios operários.
Quando a esquerda tendeu para a guerrilha, no final dos anos 60, ele continuou seguindo religiosamente a linha do partido, que era contra a luta armada. Que os órgãos da repressão, vencida a guerrilha, tenham se mostrado um organismo cuja lógica inerente era a de seguir matando, tendo como alvo da vez o Partido Comunista, é algo que ele terá descoberto na carne, em situação extrema. Meu tio Elson, que não empunhava arma, é um dos torturados, executados e desaparecidos durante a ditadura. “
(José Miguel Wisnik, no artigo, “A bola dividida”, publicado em O Globo/ Segundo Caderno (29/5/2010)
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