DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Como os viciados em fase pós-terapia, os brasileiros deveriam tomar cuidado com três drogas: a inflação, o voluntarismo fiscal e o déficit nas contas externas. O governo tem cedido a pelo menos duas dessas tentações. Tem usado o Tesouro não só para objetivos partidários e principalmente eleitorais, mas também para distribuir benefícios por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, vem aceitando o rombo cada vez maior na conta corrente do balanço de pagamentos - US$ 40,9 bilhões nos 12 meses terminados em junho, ou 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB). As contas externas têm sido por muito tempo a área mais vulnerável da economia brasileira. Em 1968 o professor Isaac Kerstenetzky, da Fundação Getúlio Vargas, publicou um trabalho sobre obstáculos ao crescimento. O limite mais estreito seria dado pelo balanço de pagamentos. Mas o governo implantava o câmbio flexível, cresciam as exportações e o estudo parecia fora de contexto. A festa acabou em 1974, mais pela dependência de insumos e bens de capital estrangeiros do que pela crise do petróleo.
Há vínculos entre os limites. Em fases de crescimento acelerado, parte da demanda é suprida pelas importações. Isso atenua, como agora, as pressões inflacionárias, mas corrói o saldo comercial. O problema se torna mais sério quando a moeda está sobrevalorizada. O Brasil é tradicionalmente superavitário no comércio de bens, mas deficitário na conta de serviços, onde entram juros, lucros, dividendos, viagens, seguros e fretes. As transações correntes são formadas por essas duas contas - a de mercadorias e a de serviços - e também pelas transferências unilaterais. Há normalmente um pequeno superávit neste item graças a remessas de trabalhadores no exterior.
Com o rápido crescimento da economia, as importações têm aumentado mais velozmente que as exportações. O superávit comercial de janeiro a junho ficou em US$ 7,9 bilhões, 43,4% menor que o de um ano antes. O déficit na conta de serviços chegou a US$ 33,2 bilhões, valor 46,1% maior que o do primeiro semestre de 2009. Com transferências unilaterais de apenas US$ 1,6 bilhão, o déficit em conta corrente alcançou US$ 23,7 bilhões e quase igualou o do ano passado inteiro, US$ 24,3 bilhões.
O buraco na conta de serviços foi ampliado principalmente pelos maiores gastos com viagens e pelo aumento de remessas de lucros e dividendos. Esse aumento é explicável pelo dólar barato, pelo bom desempenho das multinacionais no Brasil e pelas dificuldades de suas matrizes. A remessa de lucros e dividendos pode oscilar, mas é um evento normal. Os investimentos diretos no setor empresarial são bem-vindos, mas os investidores têm o direito de receber seus lucros quando desejam.
É bom lembrar outro detalhe. O Brasil é contabilmente credor, porque a soma de reservas, créditos externos e haveres dos bancos comerciais é maior que o total dos títulos de dívida (papéis de renda fixa emitidos no exterior, créditos comerciais e empréstimos). No fim de 2009, a diferença a favor do Brasil chegou a US$ 61,8 bilhões. Mas é preciso pensar também no passivo externo líquido, um conceito mais amplo e menos tranquilizador, como lembra o último boletim da consultoria Edgard Pereira & Associados. Essa conta inclui o investimento direto, os investimentos em ações e em renda fixa e outras operações com papéis. Esse passivo aumentou 115% em um ano e chegou a US$ 600,7 bilhões no fim de 2009.
O mais confiável desses componentes é o investimento direto, destinado a empresas. Até o ano passado, esse dinheiro cobriu o déficit em conta corrente. Mas nos 12 meses terminados em junho o País acumulou só US$ 25,3 bilhões de investimento direto estrangeiro. A diferença foi compensada com US$ 15,5 bilhões de outras fontes. Essa necessidade tende a crescer, segundo as projeções correntes. Então, o Brasil está mais dependente de financiamentos instáveis e especulativos. A solução envolve providências de curto, médio e longo prazos. É preciso tornar as exportações mais competitivas, diminuindo os entraves burocráticos, cortando impostos, barateando a logística e aumentando o financiamento. Não sobrará muito dinheiro para isso, se o BNDES continuar sendo usado para beneficiar alguns grupos e para financiar projetos de retorno duvidoso, como o do trem-bala. O câmbio e os juros dificilmente ficarão mais favoráveis, enquanto a situação fiscal continuar piorando pelo ex cesso de gastos. Além disso, o governo anuncia o desaquecimento dos negócios, mas o crédito para consumo continua generoso e os cidadãos não foram avisados da acomodação da economia.
Jornalista
Como os viciados em fase pós-terapia, os brasileiros deveriam tomar cuidado com três drogas: a inflação, o voluntarismo fiscal e o déficit nas contas externas. O governo tem cedido a pelo menos duas dessas tentações. Tem usado o Tesouro não só para objetivos partidários e principalmente eleitorais, mas também para distribuir benefícios por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, vem aceitando o rombo cada vez maior na conta corrente do balanço de pagamentos - US$ 40,9 bilhões nos 12 meses terminados em junho, ou 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB). As contas externas têm sido por muito tempo a área mais vulnerável da economia brasileira. Em 1968 o professor Isaac Kerstenetzky, da Fundação Getúlio Vargas, publicou um trabalho sobre obstáculos ao crescimento. O limite mais estreito seria dado pelo balanço de pagamentos. Mas o governo implantava o câmbio flexível, cresciam as exportações e o estudo parecia fora de contexto. A festa acabou em 1974, mais pela dependência de insumos e bens de capital estrangeiros do que pela crise do petróleo.
Há vínculos entre os limites. Em fases de crescimento acelerado, parte da demanda é suprida pelas importações. Isso atenua, como agora, as pressões inflacionárias, mas corrói o saldo comercial. O problema se torna mais sério quando a moeda está sobrevalorizada. O Brasil é tradicionalmente superavitário no comércio de bens, mas deficitário na conta de serviços, onde entram juros, lucros, dividendos, viagens, seguros e fretes. As transações correntes são formadas por essas duas contas - a de mercadorias e a de serviços - e também pelas transferências unilaterais. Há normalmente um pequeno superávit neste item graças a remessas de trabalhadores no exterior.
Com o rápido crescimento da economia, as importações têm aumentado mais velozmente que as exportações. O superávit comercial de janeiro a junho ficou em US$ 7,9 bilhões, 43,4% menor que o de um ano antes. O déficit na conta de serviços chegou a US$ 33,2 bilhões, valor 46,1% maior que o do primeiro semestre de 2009. Com transferências unilaterais de apenas US$ 1,6 bilhão, o déficit em conta corrente alcançou US$ 23,7 bilhões e quase igualou o do ano passado inteiro, US$ 24,3 bilhões.
O buraco na conta de serviços foi ampliado principalmente pelos maiores gastos com viagens e pelo aumento de remessas de lucros e dividendos. Esse aumento é explicável pelo dólar barato, pelo bom desempenho das multinacionais no Brasil e pelas dificuldades de suas matrizes. A remessa de lucros e dividendos pode oscilar, mas é um evento normal. Os investimentos diretos no setor empresarial são bem-vindos, mas os investidores têm o direito de receber seus lucros quando desejam.
É bom lembrar outro detalhe. O Brasil é contabilmente credor, porque a soma de reservas, créditos externos e haveres dos bancos comerciais é maior que o total dos títulos de dívida (papéis de renda fixa emitidos no exterior, créditos comerciais e empréstimos). No fim de 2009, a diferença a favor do Brasil chegou a US$ 61,8 bilhões. Mas é preciso pensar também no passivo externo líquido, um conceito mais amplo e menos tranquilizador, como lembra o último boletim da consultoria Edgard Pereira & Associados. Essa conta inclui o investimento direto, os investimentos em ações e em renda fixa e outras operações com papéis. Esse passivo aumentou 115% em um ano e chegou a US$ 600,7 bilhões no fim de 2009.
O mais confiável desses componentes é o investimento direto, destinado a empresas. Até o ano passado, esse dinheiro cobriu o déficit em conta corrente. Mas nos 12 meses terminados em junho o País acumulou só US$ 25,3 bilhões de investimento direto estrangeiro. A diferença foi compensada com US$ 15,5 bilhões de outras fontes. Essa necessidade tende a crescer, segundo as projeções correntes. Então, o Brasil está mais dependente de financiamentos instáveis e especulativos. A solução envolve providências de curto, médio e longo prazos. É preciso tornar as exportações mais competitivas, diminuindo os entraves burocráticos, cortando impostos, barateando a logística e aumentando o financiamento. Não sobrará muito dinheiro para isso, se o BNDES continuar sendo usado para beneficiar alguns grupos e para financiar projetos de retorno duvidoso, como o do trem-bala. O câmbio e os juros dificilmente ficarão mais favoráveis, enquanto a situação fiscal continuar piorando pelo ex cesso de gastos. Além disso, o governo anuncia o desaquecimento dos negócios, mas o crédito para consumo continua generoso e os cidadãos não foram avisados da acomodação da economia.
Jornalista
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