domingo, 14 de novembro de 2010

Dúvidas entre o público e o privado :: Suely Caldas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A solução para o caso do Banco Panamericano deixou no ar dúvidas e suspeitas relacionadas com a velha e surrada prática política brasileira de misturar o público e o privado, numa troca de favores vantajosa para os atores e ruinosa para os brasileiros que alimentam o caixa dos governos pagando impostos.

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, tem razão ao dizer que o empréstimo de R$ 2,5 bilhões do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) ao Grupo Silvio Santos não envolve recursos públicos. Criado em 1995 com dinheiro de bancos, justamente para dar solução privada, e não pública, de socorro a instituições financeiras em dificuldades, o FGC não chegou a ser usado nos anos 90, porque ainda não havia acumulado capital suficiente para cobrir a onda de quebradeira de bancos que se seguiu à queda brusca da inflação. Patrimônio reunido em 15 anos, foi possível agora ao fundo cumprir seu objetivo pela primeira vez. Assim, o BC agiu corretamente ao induzir o Grupo Silvio Santos a negociar um empréstimo com o FGC: evitou aplicar dinheiro público num banco privado que praticou fraudes. Feita a ressalva, vamos às dúvidas e suspeitas brotadas com a revelação do caso.

Os fiscais do BC detectaram que desde 2006 a direção do Panamericano praticava fraudes contábeis nos balanços, registrando, indevidamente, como receita carteiras de crédito vendidas a outros bancos, além de truques com cartões de crédito. Ao longo de cinco anos, portanto, a direção do banco conseguiu enganar quatro empresas de auditoria que avaliaram seus números, uma agência de classificação de risco (em julho a Fitch elevou sua nota) e o próprio BC.

Mas a "traição" maior foi contra a Caixa Econômica Federal, que em 2009 injetou R$ 739,2 milhões na compra de 49% das ações do capital votante, sem ali colocar um único diretor para fiscalizar o sócio privado. Aí começam as dúvidas e suspeitas de conluio entre o público e o privado. Até que a Caixa venha a público dar explicações convincentes, os brasileiros e donos de seu capital têm direito a duvidar e indagar: afinal, qual estratégia de negócios justifica colocar tanto dinheiro num banco médio que não faz operações típicas de interesse e expertise da Caixa? Note-se que a estatal não se limitou a comprar carteiras de crédito como autorizou o governo na travessia da crise financeira. Quase adquiriu o controle acionário, o limite máximo (49% das ações) para não estatizar o Panamericano. Por quê? Negócio lucrativo? Socorro disfarçado?

Convocada para dar explicações à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na quarta-feira, a presidente da Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho, poderá esclarecer e convencer. Ou não.

Na segunda dúvida entra em cena o empresário Silvio Santos, que na semana passada surpreendeu o mundo dos negócios ao revelar sua aversão ao banco, cujo endereço ele desconhece, mas que lhe trás, segundo disse, o maior lucro entre suas 44 empresas. Acompanhe, leitor, a cronologia dos fatos relatada na última quinta-feira pelo presidente do BC, Henrique Meirelles:

Em 8/9/2010 o Banco Central comunicou ao Panamericano ter identificado fraudes na fiscalização.

Em 14/9/2010 o banco pediu ao BC tempo para uma resposta detalhada.

Em 22/9/2010 a direção do banco reconheceu a inconsistência de seus balanços e pediu prazo para entregar documentos. Neste mesmo dia 22/9 Silvio Santos foi recebido pelo presidente Lula, no Palácio do Planalto, em audiência-surpresa e não agendada previamente.

Em 13/10/2010 o controlador Silvio Santos informa ao BC que negocia empréstimo com o FGC.

Segundo Silvio Santos, o tema da conversa na audiência com Lula foi o apoio do governo ao programa Teleton, do SBT. Lula não citou o Teleton e negou ter tratado do banco. Então, qual a razão da improvisação e urgência da audiência? Para tratar de apoio a um programa televisivo realizado anualmente? Será mesmo?

Por fim, se o desenrolar do caso ocorreu entre setembro e outubro, a divulgação só agora obedeceu a conveniências do calendário eleitoral?

Jornalista, é professora da PUC-Rio

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