terça-feira, 23 de novembro de 2010

O ponto de mutação :: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Começou mal a formação do governo Dilma Rousseff. A presidente eleita tem um ministro da Fazenda, Guido Mantega, cujo nome não anunciou, vazou para a imprensa, e um presidente de Banco Central, Henrique Meirelles, que ainda não foi convidado, nem sequer falou com Dilma, mas teria imposto condições para aceitar o cargo. Tudo leva a crer que Meirelles pisou numa casca de banana, só não está claro quem a jogou em seu caminho.

Composições governamentais são momentos de tensão, assim como as reformas ministeriais, mas é muito alta a voltagem em Brasília nestes dias que antecedem a posse de Dilma Rousseff. A presidente eleita tem emitido sinais ambíguos no que se refere à constituição da equipe econômica.

Nos bastidores há uma queda-de-braço entre grupos diversos que deve se estender e pode comprometer o mandato de Dilma Vanna Rousseff. De uma composição equilibrada dependerá o sucesso do governo da primeira mulher presidente.

Há notícias de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou aborrecido por Meirelles ter vazado à imprensa que impusera a independência do BC como condição par permanecer no cargo. "Faca no pescoço", teria sido a expressão usada pelo presidente da República.

Ao que se sabe, Meirelles limitou-se a confirmar que está marcada para esta semana uma conversa sua com Dilma. O noticiário "off the record", evidentemente, pode ter origem no próprio Meirelles, que como ninguém sabe se movimentar no serpentário brasiliense. Mas pode também ter sido no Palácio do Planalto, na Fazenda ou na equipe de transição, locais onde não faltam adversários do modo do de ver a política monetária do presidente do BC.

Antes do incidente, o que Lula e Dilma discutiam - a equipe de transição, talvez com a exceção de Antonio Palocci, pouco ou quase nada interfere nesta discussão - era se Meirelles seria convidado a ficar por algum tempo, por dois anos ou por todo o mandato da presidente eleita.

Neste jogo de pressões e contrapressões, nem sempre hoje é carta fora do baralho o que ontem estava descartado. Mas no fim de semana passado o figurino que emergiu da reunião do Diretório Nacional do PT, a qual Dilma compareceu, tem mais o perfil da presidente eleita e do ministro Mantega que o de Meirelles: o economista Luciano Coutinho, presidente do BNDES.

É mais um nome, como outros que estão na praça. Tem a vantagem de ser mais afinado com a presidente eleita e com o ministro da Fazenda de Lula - e de Dilma, a partir de janeiro -, Guido Mantega. E ainda de abrir a vaga no BNDES para o deputado Ciro Gomes, o que pode resolver a equação PSB, partido que cresceu na eleição de outubro e deve manter o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Secretaria dos Portos e algo mais que reflita seu novo status partidário.

Mas se traduz essas vantagens, o nome de Coutinho, à esta altura, também tem a desvantagem de levar desconfiança no mercado em relação à efetiva autonomia do Banco Central. Em resumo, se foi Meirelles quem vazou a suposta imposição de independência, prestou um desserviço ao país; se a origem é o Planalto, a equipe de transição de governo ou o Ministério da Fazenda, foi um tiro no pé. Não seria a primeira vez. O PT é um especialista na matéria.

Os governos Lula tiveram altos e baixos em suas diversas formações, nos dois mandatos. O final de governo é tranquilo, com a popularidade do presidente nas alturas, mas nem sempre foi assim.

A primeira formação ministerial de Lula concentrou o poder nas mãos do PT e tinha dois superministros, Antonio Palocci, na Fazenda, e José Dirceu, na Casa Civil da Presidência da República. Estrutura que desmoronou no mensalão, ainda no primeiro semestre de 2005, e foi reerguida tendo o PMDB como um dos pilares.

O PT deve ter o maior número de ministros, mas dificilmente voltará à situação anterior à de 2005. O partido saiu com fraturas das eleições, tem divisões em relação à composição de governo e não há espaço, na Esplanada dos Ministérios, para acomodar todos os interesses.

Exemplo pedagógico é o do deputado Antonio Palocci, um dos "três porquinhos" referidos por Dilma em sua passagem pela reunião do Diretório Nacional. Palocci consolidou posição na campanha de Dilma e atualmente é considerado um nome certo no governo, mas sofre cerrada oposição em setores do PT, e não só aqueles ligados ao ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel. Oposição não a que Palocci ocupe um ministério, mas que ocupe um ministério no Palácio do Planalto, tão próximo da presidente eleita a ponto de influir no dia a dia das políticas de governo. Dependendo do nome que Dilma anunciar para a presidência do BC, sem dúvida pode vir a ser um elemento de tensão com a equipe econômica.

A Agência Nacional de Saúde está com apenas três dirigentes e duas vagas. A ANS tem sido campo de batalha permanente entre os planos de saúde e os chamados "sanitaristas", defensores de maior participação do Estado. No momento, o placar está 2 a 1 para os planos, que já indicaram dois nomes, enquanto os "sanitaristas", com forte apoio no PT, querem outros dois. O governo já teve mais pressa para decidir, mas o assunto entrou em banho-maria. A presidente eleita, Dilma Rousseff, e o próximo ministro é que escolherão os nomes. O motivo provável seria a saída de José Gomes Temporão, historicamente ligado aos "sanitaristas", e isso facilitaria uma vitória dupla dos planos de saúde.

Dilma deve cumprir a promessa de tratar da reforma política logo no início de seu mandato. Mas ela não deve enviar projetos de lei ao Congresso. Inicialmente, será aberta uma espécie de audiência pública. Só por volta de junho os temas seriam transformados em projetos.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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