segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tragédia expõe falhas na política habitacional

Janes Rocha Do Rio

"Onde o pobre vai morar?"

Há anos o jurista Edésio Fernandes, um dos maiores especialistas brasileiros em questões urbanísticas e ocupação do solo, vem colocando essa questão em todos os fóruns nacionais e internacionais de que participa.

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Fernandes é professor e pesquisador da Universidade de Londres, cidade onde vive há mais de 20 anos. Membro do conselho consultivo do grupo sobre despejos forçados do Habitat, o programa de assentamentos populacionais da Organização das Nações Unidas (ONU), ele já assistiu a projetos de assentamento em vários países em desenvolvimento nos quais o problema da ocupação irregular se repete em padrões parecidos com os brasileiros.

Ao ver a tragédia da região serrana do Rio, que com mais de 600 mortos encontrados já se configura na maior do tipo na história do Brasil, Fernandes alerta que é preciso discutir urgentemente alguma alternativa para a ocupação desordenada. E que os planejadores urbanos em todo país, seja a nível federal, estadual ou municipal, têm que apontar claramente os espaços que as pessoas mais pobres podem ocupar nas cidades de forma digna, com acesso a serviços e à infraestrutura.

Para ele, apesar dos investimentos recordes em infraestrutura e produção habitacional realizados no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil ainda está longe de atender às necessidades de moradia das pessoas que ganham abaixo de cinco salários mínimos, a faixa populacional mais numerosa e maior vítima de catástrofes naturais como as que a cada verão se intensificam.

"Sem opção de acesso à moradia, os mais pobres têm cada vez mais ocupado as áreas excluídas dos mercados imobiliários formais, especialmente áreas de preservação ambiental e áreas públicas, ficando assim muito mais vulneráveis aos desastres naturais", diz este especialista. Ele lembra que, ao contrário do que costuma pensar a classe média, não é barato morar mal assim.

"Comprar, alugar ou contratar equipamentos e serviços públicos como saneamento básico, um caminhão-pipa ou a coleta de lixo são muito mais caros nas favelas do que em áreas mais adequadas à moradia", afirma. Também a regularização fundiária costuma ser, segundo seus cálculos, três vezes mais cara do que a construção de novas habitações. "No fim todos nós pagamos caro".

Ele defende que o governo tem que atacar o problema em pelo menos duas frentes fundamentais. Primeiro ter um programa habitacional específico para a população de baixa renda. Segundo, ter uma programa de gerenciamento de riscos.

Construir casas para os pobres é importante, mas não é a única solução, diz Fernandes. Os números mostram que mais de 90% do déficit habitacional, equivalente a cerca de 6 milhões de moradias, estão concentrados na população que ganha entre zero e três salários mínimos.

"Mas existe um estoque de 5,5 milhões de imóveis públicos vazios, sem utilização, pertencentes por exemplo ao INSS ou à extinta Rede Ferroviária Federal, que poderiam ser usados para fazer uma política de habitação social", diz.

Isso sem contar os imóveis privados localizados em áreas centrais ou portuárias nas grandes cidades e há anos desocupados. Segundo ele, na Alemanha, França e Inglaterra, os governos têm políticas habitacionais para a baixa renda, inclusive utilizando imóveis abandonados através do chamado aluguel social.

"Precisamos de uma política habitacional que explore todas estas opções, mas tem que ser pensado de maneira integrada". E neste ponto ele faz uma crítica ao Minha Casa Minha Vida. Para Fernandes, falta ao programa uma articulação com políticas fundiárias que permitam ao estado construir casas em locais já abastecidos de infraestrutura e serviços urbanos.

"Como os terrenos mais próximos aos grandes centros são caros, o Estado tem que comprar terras nos subúrbios, repetindo-se a velha mania de levar o pobre para locais distantes, sem transporte, sem serviços públicos, condenando-os às áreas fora do mercado formal, de várzeas, encostas dos morros, fundos de vales e margens de rios".

Por outro lado, diz Fernandes, independentemente da política habitacional, falta também no Brasil uma política de gerenciamento de riscos e prevenção de desastres que faça frente aos novos desafios ambientais.

A intensidade dos desastres naturais está aumentando em todo mundo devido ao aquecimento global. No Brasil este fenômeno está chegando na forma de eventos antes inexistentes no país como ciclones, tornados e chuvas em intensidade inédita. "O Brasil tem que incorporar estes fatores em sua legislação ambiental e de construções", afirma Edésio Fernandes.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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