segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Haja coração!::Ricardo Noblat

"Um governo deve saber conviver com as críticas dos jornais para ter um compromisso real com a democracia" (Dilma)

Arriscar-se? Quem terá peito para tanto? É por isso que quase todos os ministros do novo governo estão discretíssimos. Temem pisar na bola e ser repreendidos pela presidente. Ou pior: perderem o emprego. Conhecem sua fama de mulher de língua ferina. Ouvem falar de episódio memoráveis que ela protagonizou antes de se eleger. E se acautelam.

Por ora – e não se sabe até quando – jogam na retranca. Conversas com jornalistas? Apenas o trivial. Sob o compromisso de não serem citados, até avançam, tímidos. Dão uma dica aqui, outra ali. Assunto mais delicado? Nem pensar. Especulações? Esqueça. É muito perigoso.

Antecipar programas ou projetos em estudo? Nadica de nada. Não que lhes faltem idéias. Mas não se sentem à vontade para submetê-los por antecipação ao crivo do distinto público com receio de ser desautorizados pela inquilina nº 1 da República, a senhora de todas as vontades.

Lula saiu de cena com a fama do chefe sorridente que passava a mão na cabeça dos seus auxiliares. Carões? Só raramente. E ainda assim seguidos de um agrado ou de um pedido de desculpas caso tivesse se excedido. A fama é injusta. Lula costumava ser tão duro com sua gente como Dilma é. Com pequenas diferenças.

Expressões chulas faziam parte do seu vocabulário em conversas reservadas. Dilma não fala palavrões. E mesmo que reconhecesse um erro no trato com subordinados, Lula tinha dificuldade para se desculpar. Dilma não pede desculpas, ponto. Não existe uma alma no governo que tenha ouvido dela um pedido de desculpas.

Em compensação, algumas dezenas de almas foram alvejadas por Dilma com observações depreciativas. Um burocrata importante do governo passado ouviu dela mais de uma vez em reuniões com outros colegas: “Não, fulano, não diga nada. Você só fala besteiras”. O fulano calou-se.

Certa vez, reunida com empreiteiros que cobravam caro pela construção de uma estrada no norte do país, a então ministra cansou-se da discussão, levantou-se da cadeira e decretou: “Vocês têm 10 minutos para se entender e baixar o preço”. Saiu da sala. Voltou sem que tivesse havido entendimento. Dispensou-se de chofre.

Enquanto esteve fora da sala, ela telefonara para o ministro da Defesa e acertara que o batalhão de engenharia do Exército se encarregaria da obra. Os empreiteiros foram embora chupando os dedos. É por essas e outras que o pessoal do primeiro escalão do governo – na verdade de todos os escalões – anda de crista baixa.

Saca aquele tipo de executivo controlador, detalhista, que quer saber de tudo e dar a última palavra sobre qualquer coisa? Assim foi a ministra Dilma. A dela era a penúltima palavra. A última era de Lula. Há quase 60 dias que a última palavra é dela como presidente. E não há o mais remoto sinal de que deixará de ser assim.

A última de Dilma? Novas campanhas de publicidade assinadas por órgãos importantes do governo só poderão ser veiculadas depois do seu “de acordo”. Ela quer discutir o conceito das campanhas, examinar leiaute por leiaute e esmiuçar o plano de mídia. Ou seja: a distribuição dos gastos por veículos.

Há poucas semanas, rejeitou propostas de uma campanha sobre o programa Farmácia Popular apresentadas pelas três agências de publicidade donas da milionária conta do Palácio do Planalto. Desde quando Dilma entende de publicidade? Bobagem! É ela quem manda e pronto.

A farta literatura existente sobre administração de empresas e líderes criativos não reserva elogios a gestores dotados das características e do estilo exibidos por Dilma. Recomenda a delegação de tarefas, o estímulo ao conflito de opiniões e a criação de um ambiente movido a entusiasmo – a medo, nunca.

Mas se você mesmo quiser tirar a limpo a atual temperatura dentro do governo, avise de supetão a qualquer um dos mais de 30 ministros: “A presidente Dilma quer vê-lo de imediato”. Atenção: certifique-se antes que o ministro não é cardíaco.

FONTE O GLOBO

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