Benedito Calheiros Bomfim*
A mulher brasileira, até o início do século passado, era ecravizada à autoridade do pai e depois, casada, à do marido. Sua honra residia na virginidade. O Brasil foi o único país ocidental a estabelecer na Constituição a indissolubilidade do casamento (Constituições de 1937, 1946, 1967 e 1969). Esse preceito foi alterado pela Constituição de 1988 que, incorporando a Lei 6.5l5/77(que instituiu o divórcio), admite a dissolução do casamento por essa via. A infidelidade masculina é vista com complacência, enquanto na mulher é uma mancha na reputação.
A Lei 21.917/A/32 vedava à mulher o trabalho noturno de qualquer espécie, tendo a CLT, em sua redação original, excetuado da proibição algumas atividades, inclusive insalubres e obras de construção, e permitido que o marido se opusesse à contratação da esposa, caso em que esta teria de obter a autorização judicial. Ao fixar o primeiro salário mínimo, o Decreto-lei de 31.8.1940 autorizou a redução de seu valor para a trabalhadora. A CLT estabelece ainda que suas disposições não se aplicam aos empregados domésticos. Os direitos trabalhistas destes, contudo, vêm sendo gradativamente reconhecidos, e já se equiparam aos dos demais trabalhadores, inclusive no tocante aos benefícios previdenciários. Ainda hoje a lei não lhes garante limitação das horas de trabalho.
A Carta das Nações Unidas, homologada pelo Brasil em 1984, estabelece a igualdade de direitos do homem e da mulher e obriga seus signatários a assegurar “a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos”. A Organização dos Estados Americanos aprovou a Convenção Interamericana Para Erradicar a Violência Contra a Mulher. Apesar disso e das garantias igualitárias de nossa Constituição, a mulher continua a ser discriminada, discriminação que só acabará quando lhe for assegurada, de fato, também, a igualdade econômica.
Basta lembrar a prostituição de meninas de 12 a 17 anos que, nas regiões mais atrasadas, levadas pela pobreza, oferecem seus corpos em troca de migalhas, postando-se até em logradouros públicos à espera de clientes. Meninas e mulheres, mediante falsa promessa de bons empregos, são obrigadas a se prostituir no exterior. A ONU estima que, em 2001, 785 mil brasileiras, na maioria vindas de Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, foram obrigados a se prostituírem fora do Brasil.
Para atendimento às mulheres vitimas de violência doméstica foram criados conselhos dos Direitos da Mulher e delegacias especializadas. O Estado do RJ conta com sete juizados de proteção às mulheres vitimas de violência doméstica. À mulher é negado o direito de interromper a gravidez, quando países católicos, como Portugal, Espanha e Itália, permitem o aborto. Estima-se que no mundo existem anualmente 75 milhões de gestações indesejadas, 70 mil das quais terminam com a morte das mães.
No Brasil é frequente, inclusive em famílias abastadas, a prática de abortos inseguros, clandestinos. Apenas cinco das 100 maiores empresas brasileiras em receita têm mulheres na presidência, um avanço se se considerar que em 2000 só homens ocupavam tal cargo. Embora constituam 51% da população, as mulheres têm somente 31% no quadro funcional, 26,8% na supervisão, 22,15% na gerência, 13,7% no executivo.
Na longa e sofrida trajetória, as mulheres livraram-se da servidão doméstica, da submissão ao marido, conquistaram o direito de voto, igualdade conjugal, divórcio, liberdade sexual, controle de sua fertilidade, mercado de trabalho, ascensão social, cidadania. A eleição da primeira mulher a presidente constitui um marco na conquista social e política do Brasil. Com ela, 24 mulheres ocupam a chefia de Estado no mundo. Dos 37 ministros de Dilma Rousseff, nove são mulheres. Nas faculdades de direito a maioria dos alunos são mulheres. Elas representam 50% dos advogados. Quase metade de juízas do trabalho é constituída de mulheres.
A ascensão feminina a cargos executivos, empresariais, magistratura, magistério, ciência, literatura, arte, economia, advocacia, desfaz o mito da fragilidade e da inferioridade da mulher, de sua incapacidade política de competir com o homem intelectualmente e no mercado de trabalho. Ficou para trás o tempo em que eram privativos de homens atividades ou profissões, tais como advocacia, magistratura, economia, política, jornalismo, literatura, artes, esporte, medicina, chefia de família, administração empresarial.
*Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e ex-conselheiro federal da OAB
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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