segunda-feira, 4 de abril de 2011

Relatório do BC expõe o ato de fé do governo brasileiro :: Monica Baumgarten de Bolle

Hoje a política econômica brasileira se caracteriza por um conjunto de crenças. Há os que acreditam que a inflação não escapará completamente do controle, ainda que não se faça muita coisa para contê-la. Há os que professam a fé nas medidas de intervenção cambial, para evitar que a volatilidade e a apreciação do real prejudiquem a atividade. Há os que pregam a liturgia macroprudencial, rezando para que tais medidas mantenham a economia em fogo brando, sem crescimento alto demais, a ponto de danificar os cenários de convergência inflacionária, nem baixo demais, preservando a euforia reinante no País.

O controverso Relatório de Inflação recém divulgado pelo Banco Central expõe com clareza o ato de fé do governo brasileiro. O documento trouxe projeções revisadas para o crescimento do PIB de 2011, alinhando-se com as estimativas mais moderadas dos analistas. Segundo o documento, a autoridade monetária espera expansão de 4% da economia em 2011, em comparação com os 7,5% registrados em 2010. No entanto, os indicadores do primeiro trimestre ainda não corroboram a visão de que as medidas adotadas para esfriar o crédito e a demanda agregada tenham tido efeito sobre o ritmo galopante da atividade no Brasil. A indústria, segundo o IBGE, cresceu 1,9% em fevereiro, a taxa mais alta em 12 meses. O índice de atividade elaborado pelo BC, o IBC-Br, tem indicado reaceleração da atividade neste início de ano. É provável que, com esses indicadores e o vigor surpreendente do mercado de trabalho, o PIB do primeiro trimestre registre expansão acima de 1%, o que, em termos anualizados, significa crescimento próximo de 5%.

A desaceleração contemplada nos cenários do BC ao longo de 2011 é condizente com a moderação do aumento dos gastos do governo derivada dos cortes orçamentários de R$ 50 bilhões, com a elevação da Selic para algo próximo de 12%, e, possivelmente, com adoção de medidas macroprudenciais adicionais. No entanto, esse crescimento mais modesto não é compatível com a evolução dos preços traçada no Relatório de Inflação. Não só é difícil vislumbrar a convergência da inflação para o centro da meta ao longo de 2012 sem um freio mais forte no crescimento, como é irrealista a noção de que o governo possa reduzir drasticamente o ritmo de aumento do crédito sem que isso tenha consequências "indesejáveis" para o nível de atividade.

No ato de fé do governo está faltando o verdadeiro sacrifício. Profana-se, portanto, a reputação do BC brasileiro. Desnecessariamente.

Economista, Professora da PUC-RJ e Diretora do IEPE/Casa das Garças

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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