A sobriedade do comportamento da nova presidente e as mudanças na política externa decorrentes da valorização dos direitos humanos, ao invés de apontarem para uma diferenciação substancial entre seu governo e o de Lula, constituiriam – segundo avaliações de analistas mais rigorosos – uma tática ou um jogo cuja aplicação, após testes iniciais positivos, objetiva somar à força popular do lulismo a acolhida favorável pelos segmentos mais bem informados da sociedade do estilo gerencial adotado por ela e das correções que determinou nas posturas do Itamaraty. Jogo que teria dois alvos bem definidos: reduzir o respaldo social à oposição e viabilizar vitórias governistas, no conjunto das regiões Sudeste e Sul, nas eleições de 2012 e 2014.
Mesmo que isso não tenha sido previamente programado, como parece mais provável, a referida soma tem sido útil politicamente ao governo. E vem servindo de justificativa à estratégia moderada, centrista, que Lula está recomendando ao PT para a disputa dos próximos pleitos nas capitais e municípios de maior peso das duas regiões, especialmente o da metrópole paulistana, através de chapas compostas por titulares petistas com menores taxas de rejeição e de vices, aliados, capazes de atrair parcelas do empresariado e da chamada classe média (para o que insistentemente destaca o papel que José Alencar cumpriu para sua primeira eleição presidencial em 2002).
Mas, ao longo de já quase cinco meses, no governo Dilma seguem configurando-se desencontros e contradições entre seus próprios atos e diretivas, e não apenas em relação aos do antecessor, que têm dimensão bem mais significativa de que uma tática político-eleitoral. Dimensão indicativa de um entrechoque de antigas e firmes convicções da presidente com percepções novas dela sobre problemas e prioridades da administração federal, sobretudo no plano da economia, mas também nos da gestão e das relações políticas. Aquelas dominadas por crenças de forte teor estatizante, nas quais a iniciativa privada deve subordinar-se ao dirigismo governamental; estas certamente inspiradas por um reconhecimento – digamos forçado por “estado de necessidade” – da relevância da economia de mercado. As novas percepções ora prevalecem sobre as ideias estatizantes com que a trajetória de Dilma Rousseff tem forte ligação, como na “virada” do anúncio de abertura da política aeroportuária à iniciativa privada; e ora não têm qualquer espaço para manifestarem-se, como na decisão do Planalto, encaminhada agressivamente pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, de virtual intervenção na Vale.
A estes sinais juntam-se vários outros de passos contraditórios do mandato de Dilma Rousseff. No tema da gestão pública – no qual a troca do palanquismo de Lula pelo seu estilo sóbrio justifica a repercussão favorável obtida na opinião pública, estendida a outra mudança adotada pelo seu governo, realmente importante: a revalorização dos direitos humanos na política externa – neste terreno da gestão cabe registrar os sinais díspares ou contrapostos emitidos por discursos e ações da presidente. Exemplos: numa face, a criação de um Conselho para melhoria dos padrões de gestão e de competitividade dos órgãos e empresas da máquina federal, dirigido pelo empresário Jorge Gerdau e vinculado à presidência, de par com reiteradas manifestações dela de valorização e cobrança de critérios meritocráticos no serviço público; na outra face, a sequência e o aprofundamento no atual governo da fragilização das agências reguladoras, ao invés do reforço das funções técnicas e da independência delas perante o Executivo. O que se processa num contexto em que, como cobrança do papel que os partidarizados Fundos de Pensão tiveram na intervenção feita na Vale, seus dirigentes estão cobrando do governo cotas para sindicalistas na direção da empresa.
Mais um exemplo, entre vários outros que podem ser apontados, das referidas contradições: a promessa da presidente de combate à inflação e a tibieza de sua equipe econômica diante da persistência de um aumento generalizado de preços (já num processo de crescente reindexação) que teria de ser enfrentado para valer a partir de um ataque efetivo ao descontrole dos gastos públicos, sobretudo de custeio, acentuado nos últimos dois anos. Ataque improvável em face de outra persistência – a do predomínio no governo Dilma do desenvolvimentismo estatizante e populista.
Jarbas de Holanda é jornalista
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