Economista afirma que essas operações devem ficar no Banco Central, mas diz que governo não tem força para isso
Sobre Copa, questiona submissão do governo à Fifa e defende controle maior nas obras, "se não, vai ser uma farra"
Eleonora de Lucena
Centralizar o câmbio. Essa seria, na opinião do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, a melhor forma de enfrentar o problema dos custos do tsunami de dólares, que gera valorização do real e que abala a indústria brasileira.
A solução, que significa concentrar no Banco Central todas as operações de câmbio, é de difícil implantação e provocaria "desmaios no mercado financeiro", diz.
O governo não tem força política para adotar medida tão drástica, constata o ex-integrante do governo Sarney e consultor informal de Lula.
Aos 68 anos, Belluzzo está envolvido com a finalização de seu novo livro, que mescla uma releitura de Karl Marx com um diagnóstico da crise atual do capitalismo. Nesta entrevista, o ex-professor da presidente Dilma Rousseff fala da crise internacional e diz que os Estados foram capturados pelas finanças.
Ex-presidente do Palmeiras, ele pede controle nas obras da Copa. "Se não, vai ser uma farra", diz.
No seu novo livro, o sr. diz que quando a crise é aguda não há limites para salvar o capitalismo de si mesmo. Foi o que aconteceu em 2008?
Todos os princípios que são considerados canônicos da política econômica acabam sendo violados quando se trata de uma crise dessas.
A crise terá uma recaída?
Há velocidades diferentes. Está mais aguda na Europa. Os Estados foram abandonando compromissos assumidos no pós-guerra com assalariados e velhos e foram privatizando tudo. As classes médias foram perdendo e houve aumento do conservadorismo. Essa resistência contra o Estado e o superindividualismo são fortes.
Nesse livro em finalização, o sr. diz que os Estados foram capturados pelo poder social e político dos mercados financeiros. Como foi isso?
Quis mostrar a potência em que se transformou a finança e os seus gestores. A cada dia há uma comprovação de que o Estado está completamente capturado e subordinado às finanças.
O euro vai resistir?
Não me arrisco a dizer. A saída de um país, como a Grécia, traria inconvenientes graves. Haveria desvalorização, quebra e contaminação com o resto da Europa.
A Alemanha está propondo "alongar" o perfil da dívida.
O medo é que provoque retração dos mercados em relação, por exemplo, à economia espanhola.
Os europeus estão protestando nas ruas.
Porque estão ferindo direitos construídos no século 20. Ajustar na Grécia significa cortar emprego, direitos, sem garantia de sucesso. É preciso consenso, sem obrigar a fazer o impossível.
A alternativa seria o calote?
O Estado precisa capitalizar bancos, de forma centralizada, e começar a refinanciar economia e dívida. Alemães e franceses precisam botar a mão nos bancos deles e mandar o resto às favas. A crise vai se aprofundar.
E nos EUA?
Vão ficar nesse chove não molha: crescimento baixo, com os empregos qualificados em baixa. O crédito não cresce porque as famílias estão engasgadas com a dívida anterior. As empresas não investem porque olham para as famílias. O dinheiro vem para cá, e o Brasil está engolindo esse tsunami de dólares.
Como está o governo Dilma?
Defendo que se tenha um superavit fiscal parrudo. Por outro lado, essa invasão de dólares aumenta as reservas. Dólares são comprados com uma taxa de juros que tem um diferencial grande com a americana, o que impacta na dívida pública. Seria um custo menor se você impusesse limites a essa entrada.
Por exemplo?
Tem que centralizar o câmbio, fechar no BC. Isso ocorreu na crise de 99. Daria ao BC mais controle sobre preços e quantidades. Poderia fazer com que parte desse dinheiro ficasse lá fora. Mas se você falar isso, tem desmaios no mercado financeiro.
Quem ganharia e perderia com a centralização?
A centralização entregaria ao BC maior capacidade de regular preços, quantidades e prazos. Os agentes privados perderiam confiança no sucesso, hoje praticamente garantido, de proceder à "arbitragem especulativa". Hoje o BC atua ex-post, comprando e vendendo moeda dos agentes privados. O câmbio é um preço muito importante para ser deixado aos caprichos do mercado.
Mas o governo teria condições políticas de fazer isso? Ele também não é capturado pelo mercado?
Não vou dizer que está capturado, mas o embate é difícil porque a conta de capital foi liberalizada. Nosso sistema financeiro é mais regulado. Saímos rapidamente da crise. Mas é preocupante o que está acontecendo com a indústria brasileira por causa da valorização do câmbio. Tem gente que diz que podemos virar a Austrália, sem indústria. É patético. Não pode comparar um país com 20 milhões de habitantes, que nunca teve indústria, com um que tem 200 milhões e industria desenvolvida.
O governo federal não tem coragem de tomar essa medida no câmbio?
Não é um problema de coragem. É um problema de condição política. Acho que, neste momento, não tem.
Por quê?
Porque não tem força real pra fazer isso.
Mas Dilma está bem avaliada e o integrante mais ortodoxo do governo saiu. O governo pode ficar mais heterodoxo?
É uma visão pouco realista de qual é a relação de forças.
E qual é essa relação?
O apoio que Lula teve estava relacionado com os ganhos, que foram um pouco mais bem distribuídos. Os que subiram não são uma nova classe média, mas conseguiram emergir de uma situação de pobreza muito séria. Mas não haveria por parte deles uma compreensão do que está envolvido. Todo o debate de conjuntura hoje está na mão do mercado financeiro. Certas decisões não são tomadas porque há essa barreira.
A indústria está sendo destruída por conta do câmbio?
Câmbio e porque a demanda doméstica está sendo alentada até pelo crédito, que é difícil controlar. Porque empresas estão fazendo "funding". Muito do que aparece em investimento direto é empréstimo intercompanhia. Estão fazendo arbitragem com taxa de juros.
E o governo Dilma, o que deveria fazer?
É uma saia justa. Não dá agora para fazer uma desvalorização abrupta porque impacta na inflação. Também, com uma desvalorização dessa, o mercado puxaria a taxa de juros lá para cima.
E as commodities?
Eles deram um choque de preços. A especulação foi além. O Brasil tem que absorver esse choque e, ao mesmo tempo, tem essa simultaneidade entre inflação e valorização do câmbio. Provavelmente haverá uma valorização, se tomar como base 2005, superior a 35%, que é mortal. É espantoso o crescimento da receita de exportação das commodities. O inverso da indústria.
E a inflação?
O combate à inflação é politicamente fundamental. É preciso rediscutir a questão do salário mínimo no ano que vem. É interessante fazer com que esse terrorismo inflacionário retroceda.
Como ex-presidente do Palmeiras, como o sr. avalia a relação do governo com a Fifa na negociação para a Copa?
Não consigo me conformar com essa submissão dos governos. O que eles estão fazendo é explorar essa paixão popular pelo futebol. Fica todo mundo alucinado que precisa fazer a Copa. A despeito de eu adorar o futebol, acho que não se deve ceder a essa gente. Estão lá encrencados com acusações gravíssimas de corrupção.
E essa construção desvairada de estádios com o dinheiro público?
Isso precisaria ser muito bem cuidado porque se sabe como são essas coisas. Teria que ter uma pessoa muito séria e acima de qualquer suspeita capaz de fazer a verificação das cotas, dos projetos. Se não, vai ser uma farra.
Henrique Meirelles seria essa pessoa?
Eu acho que sim. Eu não concordo com o Meirelles, mas acho que ele é uma pessoa séria.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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