Roberto Maltchik
BRASÍLIA - Na última semana, a discussão sobre o sigilo de documentos ultrassecretos causou polêmica no país. E a sinalização da presidente Dilma Rousseff em favor do segredo constrangeu a Câmara, que aprovou projeto no sentido oposto. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) disse que a disputa serve para "enterrar no Senado" a proposta de uma Lei de Acesso à Informação Pública. E que "beira o ridículo" sustentar que a divulgação de documentos é institucionalizar o WikiLeaks no país, como disseram os senadores e ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor.
Qual a implicação de escolher documentos que poderão ficar para sempre escondidos?
MIRO TEIXEIRA: A preocupação é com o silêncio. O poder do silêncio é brutal. Aqueles que detêm o conhecimento exclusivo dos fatos passam a exercer o poder sobre um conjunto enorme de pessoas. E, aí, a democracia fica bastante capenga.
Acha que isso é uma cortina de fumaça para retardar uma Lei de Acesso à Informação?
MIRO: Sim. Que interessa àqueles contrários à aprovação da nova lei. Não existem documentos absolutamente secretos. Não vejo razão de natureza pública e democrática que sustente a tentativa de ocultação dos fatos.
O projeto da Câmara traz risco à segurança nacional?
MIRO: Ele é um bom texto, não é perfeito, mas protege a sociedade. A classificação de 25 anos, prorrogáveis por mais 25 anos, a obrigação de definir quem faz a classificação e tornar isso público protege a sociedade. O que o Senado pretende introduzir é altamente nocivo. A argumentação beira as raias do ridículo.
Qual argumento é ridículo?
MIRO: O argumento de que vamos transformar os nossos documentos em um WikiLeaks é um duplo desconhecimento. Primeiro, WikiLeaks não é fonte oficial. Quando nós falamos de documentos públicos brasileiros, nós estamos tratando da verdade dos fatos. Segundo, não há nada mais problemático para os Estados Unidos, por exemplo, do que a guerra do Vietnã, e você tem a divulgação desses documentos com a preservação, sim, de dados que interessam ao estado. Como se faz isso: com o documento divulgado com breves tarjas pretas.
Com a brecha para o sigilo eterno, o senhor acredita que poderá haver uma grande concentração de documentos classificados como ultrassecretos?
MIRO: O esforço para criar essa categoria indica que sim. A lei poderá ser burlada, a rigor, dessa forma.
É ponto pacífico que os documentos sobre violações aos direitos humanos na ditadura serão revelados de qualquer forma?
MIRO: A argumentação apresentada pelo Sarney e pelo Collor sempre remonta a Guerra do Paraguai e a incorporação do Acre ao Brasil. Isso me parece que é uma fórmula de evitar a discussão concreta do que se passa. Sem o acesso pleno, podemos ter 100% de certeza de que haverá ocultações graves. Se não houvesse intenção de ocultar, não teríamos a preocupação de criar o instrumento da ocultação.
Politicamente, qual é o futuro da tramitação desse projeto?
MIRO: Estamos dispostos a lutar para o Senado deliberar. Que votem o que quiserem, mas votem. A manobra que está sendo feita é para enterrar o projeto no Senado e impedir que retorne à Câmara.
Quais lacunas, além da ditadura, estão mal esclarecidas na história do país e que poderiam ser reveladas?
MIRO: As principais são de fatos relacionados à ditadura. A participação de civis na repressão, como ocorreu na Operação Bandeirante (Oban, grupo organizado em São Paulo na ditadura para investigar integrantes da resistência). Esse é um caso simbólico. A participação de civis, de empresários, ainda é muito enigmática. E muitos deles estão por aí, pontificando...
O foco hoje está sobre documentos do poder Executivo. Existe transparência em relação s aosocumentos do Legislativo e do Judiciário?
MIRO: Nós temos que investigar muitas coisas também dos poderes Legislativo e Judiciário. São mais ocultados do que os documentos do Executivo. O Legislativo e o Judiciário são caixas-pretas. De repente, a tentativa de ocultação é mais de documentos lá do Senado. O silêncio é que mete medo.
FONTE: O GLOBO
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