quinta-feira, 9 de junho de 2011

Fim de uma crise ou início de outra?:: César Felício

A julgar pelo que Antonio Palocci escreveu em seu livro "Sobre Formigas e Cigarras", a presidente Dilma Rousseff deve um pouco o seu cargo a ele. Na página 47 da obra em que Palocci relata sua versão da passagem pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, o agora ex-ministro conta que conheceu Dilma em um evento na Associação Brasileira para Desenvolvimento das Indústrias de Base (Abdib), durante a campanha eleitoral de 2002. Diz Palocci que Dilma, então secretária de Energia do governo gaúcho de Olívio Dutra, foi convidada por ele para debater a crise do apagão com dirigentes do empresariado, ao lado de Ildo Sauer, Mauricio Tolmasquim e Luiz Pinguelli Rosa.

"No diálogo com os empresários, Dilma logo se impôs e imprimiu ao debate o mesmo tom de objetividade e firmeza que a caracterizaria nos anos seguintes no governo Lula", relatou Palocci, que diz ter sido também o autor de um segundo convite para Dilma. "Na hora de montar a equipe de transição, me lembrei de sua performance e a convidei para integrar o grupo". Finalmente, conclui, afirmando ter dado a dica para Lula: "A obstinação e a firmeza de Dilma na condução dos problemas do setor logo me chamaram a atenção. Ao apresentar o relatório sobre a área ao presidente eleito, sugeri a ele que procurasse conhecê-la antes de escolher seu ministro das Minas e Energia".

A versão de Palocci é surpreendente, já que difere um pouco da divulgada por outras pessoas. Mas mostra que, como coordenador de programa de governo, mentor da "Carta ao Povo Brasileiro" e chefe da equipe de transição, Palocci se sentia poderoso para fazer indicações, de uma maneira que não ocorreu em sua fugaz passagem pela Casa Civil. O contraste entre o Palocci do primeiro mandato de Lula e o que acaba de sair do governo é avassalador.

Flanco de Gleisi é o jogo bruto da política do Paraná

Um dos exemplos dos limites do ex-ministro é a polêmica que cerca a presidência do Banco do Nordeste, há muito tempo nas mãos do PT cearense. O partido costurou um acordo com o governador do Ceará, Cid Gomes, e de Pernambuco, Eduardo Campos, ambos do PSB, para que o cargo continuasse sendo ocupado por um técnico de matriz política. Palocci avalizou a negociação, mas o seu peso foi insuficiente para dobrar a disposição do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de despolitizar a instituição e indicar um nome da área financeira.

Crentes de que estava tudo resolvido, os nordestinos foram surpreendidos no final de abril com a notícia da nomeação do catarinense Miguel Terra Lima para a presidência do banco. Uma violenta reação de toda bancada do Nordeste frustrou a indicação de Mantega, mas ficou claro que o aval de Palocci teve pouco valor.

Ocorreu, neste caso e em outros, o oposto do que se esperava antes do início do governo Dilma: em vez de Palocci influir na seara de outros ministros, sobretudo na economia, foram os demais ministros que bloquearam uma das atividades da Casa Civil, a de coordenar nomeações.

Em seus cinco meses no cargo, Palocci foi um dos ministros da Casa Civil mais fracos de toda a história da Esplanada. Houve gerentes da máquina, como João Leitão de Abreu, no período militar; Clóvis Carvalho, Pedro Parente e a própria Dilma Rousseff, nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. Houve coordenadores políticos bastante ativos, como o general Golbery do Couto e Silva e José Dirceu. Houve os que tentaram salvar situações perdidas, como Jorge Bornhausen no governo Fernando Collor, e os que souberam sair de cena para resguardar a imagem presidencial, como Henrique Hargreaves, no governo Itamar. Houve até os que entraram e saíram com pouco ruído, como Ronaldo Costa Couto, no tempo de José Sarney.

Se os fatos falam por si sobre o estremecimento entre o PMDB e o governo, a gestão Palocci não serviu para disciplinar o PT. O corte de recursos orçamentários, ditado pela necessidade de esforço fiscal do governo, esteve longe de colaborar para tal. Tornou-se comum no governo Dilma a peregrinação de deputados, com prefeitos petistas a tiracolo, por gabinetes em Brasília, para arrancar esta ou aquela liberação. No tempo de Lula, as reivindicações petistas eram centralizadas em poucos intermediadores. O relato é feito por consultores de prefeituras petistas que trabalham para viabilizar projetos regionais na esfera federal.

A nomeação de Gleisi Hoffmann tem sido descrita como uma autoafirmação de Dilma frente a seu antecessor. É possível, mas a inédita situação de um casal de ministros em Brasília coloca a ela e ao marido, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, em posição vulnerável. Gleisi é candidatíssima ao governo do Paraná em 2014 e os projetos eleitorais do casal costumam esbarrar com os do senador Roberto Requião (PMDB-PR).

Requião anteontem foi elegante ao comentar a escolha de Gleisi e chegou a defini-la como sua "amiga pessoal". Lembrou que foi sua parceira de coligação, mas omitiu que tanto ele quanto muita gente do PT paranaense trabalharam bastante para que tal parceria não acontecesse, sobretudo o marido da ministra.

Em 2010, ainda quando governador, Requião afirmou em uma reunião do secretariado transmitida pela TV que Bernardo, então ministro do Planejamento, teria insistido para que uma obra que custava R$ 220 milhões saísse por R$ 540 milhões. O petista decidiu processar o governador por danos morais e chamou-o, em entrevistas, de "grande mentiroso". Requião representou no Ministério Público contra o ministro. A representação pode ser lida na página do senador na internet.

O senador é famoso pelo estilo, mas não chega a ser exceção em seu Estado. Gleisi também é adversária do líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias, que também está muito longe da suavidade. Muito se fala da forma dura com que se faz política em São Paulo, a terra de Palocci, mas as intrigas dos tucanos e petistas paulistas não se comparam com o jogo bruto que existe no Paraná.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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