A ministra Gleisi Hoffmann demonstrou ontem nos seus discursos que vai tentar manter a tradição de ser uma chefe da Casa Civil que una as duas funções tradicionais do órgão: a articulação política dos grandes temas e a função gerencial. Na definição da presidente Dilma Rousseff nos tempos em que era candidata a Casa Civil é o segundo cargo da governo.
Quando na campanha presidencial era cobrada por não ter experiência administrativa para postular o cargo que estava postulando, Dilma Rousseff sempre dizia que tinha ocupado por cinco anos "o segundo cargo mais importante do governo". Na época, foi até criticada por estar supostamente desconsiderando a função de vice-presidente. Mas no dia a dia o ocupante da Casa Civil seria uma espécie de primeiro-ministro, se fosse parlamentarista, ou um chefe da equipe, no presidencialismo americano (chief of staff).
Com a estudada cortesia com que se despediu no Senado, cumprindo todo o ritual do clube, com referência a todos os líderes e principais senadores, inclusive da oposição, ela está dizendo que quer continuar fazendo uma parte da articulação. Sua frase "estou mudando de instância, mas não de caminho" é também um claro recado da tentativa de dar à Casa Civil essa dupla função, mesmo que o ministro Paulo Bernardo tenha dito que o cargo será de gestão.
Seu currículo político é modesto. Foi assessora de partido, secretária estadual e alguns poucos meses no mandato de senadora. É portanto extremamente novata na política para a dimensão do cargo que vai assumir; mas neste campo está até melhor que Dilma Rousseff, que não tinha exercido mandato algum.
A Casa Civil tem a característica de assumir o formato que lhe quer dar seu ocupante. Pode ser gerencial, como foi na época de Pedro Parente, Clóvis Carvalho e até Dilma Rousseff, ou pode ser o coordenador político do governo, como foi com José Dirceu. Até nos regimes militares houve ocupantes da pasta com extraordinário poder, como Golbery do Couto e Silva, no governo Geisel, e Leitão de Abreu, no governo João Figueiredo.
Gleisi é desconhecida tanto administrativa quanto politicamente. O cargo de diretora financeira que assumiu na Itaipu Binacional foi por indicação política - ela havia trabalhado na equipe de transição e é mulher do ministro Paulo Bernardo, na época no Planejamento. O fato de ser indicação política não a desmerece porque a ministra teve bom desempenho na empresa binacional.
A dúvida que recai sobre ela é que não foi testada, não teve tempo de amadurecer na articulação política, não teve qualquer experiência administrativa federal e assumiu a chefia da Casa Civil num momento de crise. Ela dava sinais de que teria uma carreira meteórica, mas foi catapultada sem ter tempo nem de cumprir as primeiras etapas da ascensão que começava a ter no debate parlamentar. Se a tensão fica menor após a saída de Palocci, continuam as dúvidas sobre várias questões. A crise revelou que o governo Dilma não tem articulação política e está com sua base de 75% dos deputados e 77% dos senadores em conflito direto para saber quem vai de fato ser mais determinante: se o PT ou o PMDB; e dentro de cada partido que ala será mais influente. O governo também não tem a agilidade administrativa que garantiu que teria na campanha. Os projetos do PAC ou do Minha Casa, Minha vida estacionaram; a maquiagem que alguns receberam na campanha para parecerem mais robustos do que de fato eram já se desgastou. O que se vê é um governo que investe pouco e demora a tomar decisões.
O governo desperdiçou sua lua de mel sem ter tocado um único projeto de reforma ou de superação dos obstáculos ao crescimento sustentado. Em 2010, quando o Brasil estava crescendo a 7,5%, era mais fácil superar esses obstáculos; com a queda do nível de atividade, a lentidão do governo está provocando mais estragos. Setores empresariais que sondam o nível de confiança dos seus associados no governo já começam a perceber a queda acentuada do otimismo. Isso pode acabar se transformando em postergação de decisões de investimento.
Os empresários têm questões urgentes para resolver diariamente na confusão tributária do país - que ficou ainda mais incompreensível depois da decisão do Supremo Tribunal Federal contra incentivos estaduais - ou nos gargalos enormes de infraestrutura. O dólar baixo deixa cada vez mais setores expostos à competição de produtos chineses que chegam com a vantagem desleal do câmbio artificialmente desvalorizado. A monumental burocracia torna o ambiente empresarial um campo minado. Tudo isso era assim no ano passado, só que na transição para um ritmo de crescimento menor as dificuldades passaram a ser mais pesadas para as empresas.
Este é um momento decisivo para o governo Dilma Rousseff. Ela tem a chance de aprender com os erros, dar mais agilidade às decisões, estar mais presente nas articulações políticas, ter mais comando sobre a própria administração, afastando o fantasma de um governo sob controle remoto na mão do ex-presidente Lula. Ainda há tempo de pôr o governo nos trilhos, afinal este é apenas o sexto mês do mandato.
FONTE: O GLOBO
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