Vítima do maior desastre natural da História do país, a Região Serrana fluminense tem sido palco, desde as enchentes que no início do ano mataram 900 pessoas e deixaram em seus municípios milhares de famílias desabrigadas, de um drama no qual se misturam três pragas do Estado brasileiro. A primeira brotou da própria tragédia - o pouco apreço dos governos com ações preventivas que reduzam riscos decorrentes de contingências ambientais. O dilúvio foi um fenômeno da natureza, mas não tiveram nada de inato a falta de medidas de precaução, a ineficiência e os equívocos de comunicação entre si de órgãos de defesa civil que marcaram a atuação do poder público ao cair das chuvas, o que potencializou prejuízos materiais, morais e familiares na Serra. A segunda é a burocracia que dificulta iniciativas de reparação de danos e de ajuda a moradores e empresas atingidos pela calamidade.
A terceira praga, a corrupção, entrou em curso antes mesmo de o nível das águas baixar. Bombeado por um propinoduto, um esquema de acertos drenou para bolsos privados recursos liberados pela União para a reconstrução das áreas atingidas. Uma série de reportagens do GLOBO mostra a dimensão da desfaçatez: um grupo de funcionários públicos e empresários, segundo investigações da Justiça, teria pactuado o reajuste de propinas para aprovar contratos sem licitação.
De acordo com um empresário, em Teresópolis o percentual da taxa ilegal, normalmente (sic) de 10%, passou para 50% após a enxurrada. As denúncias chegam ao primeiro escalão do governo municipal, envolvendo dois secretários. O prefeito é objeto de uma ação de expulsão movida pelo diretório local do PT. O fato pitoresco de propinas terem sido pagas até no banheiro da prefeitura apenas acrescenta um iconográfico componente à sordidez do esquema de fraudes.
Em Nova Friburgo, a cidade mais atingida pelo temporal e que recebeu a maior fatia da verba da União, o Ministério Público Federal já instaurou mais de uma dezena de inquéritos, cobrando explicações do governo municipal. Diante das evidências de que a prefeitura poderia maquiar os processos de liberação de verbas, oficiais de justiça cumpriram ontem mandados de busca a processos com informações, sonegadas pelo prefeito Dermeval Barboza Moreira Neto (PMDB), sobre a aplicação dos recursos repassados por Brasília. Por improbidade administrativa, Moreira Neto e o procurador-geral do município, Hamilton Sampaio da Silva, são alvo de uma ação civil pública do MPF.
As investigações estão em curso. É fundamental que o Ministério Público as leve ao fim, com a punição exemplar de todos os envolvidos no escândalo. A formação de esquemas de corrupção para surrupiar verbas públicas é condenável por princípio. Mas todo esse episódio de malversação da ajuda financeira à Serra tem o perverso agravante de que tragédias pessoais serviram de pano de fundo de ações criminosas. Deixá-las sem uma resposta firme da Justiça trará para o palco do drama outra das grandes pragas do país - a impunidade.
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