segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Com teto e sem chão :: Monica de Bolle


As projeções de uma recuperação mais forte dos países maduros no curto prazo se esvaíram.

Nos últimos dias, a tempestade perfeita tomou conta dos mercados. A piora dos indicadores da economia americana, o imensurável desgaste político de Obama com a discussão sobre o ajuste fiscal e a elevação do teto da dívida levada até as últimas consequências, o rebaixamento dos EUA pela agência S&P, e o agravamento da crise na Europa, atingiram as bolsas e os demais mercados de ativos quase simultaneamente. Em meio aos movimentos frenéticos de reprecificação de risco e de busca por "portos seguros" num mundo onde esses estão em franca escassez, o cenário para os próximos seis meses ficou mais turvo - de novo.

Alguns analistas, já falam, inclusive, em recessão nos EUA.Em meio à confusão generalizada, uma coisa é certa: todos constataram, nas últimas semanas, que há um teto para o crescimento da economia mundial, isto é, as projeções de uma recuperação mais forte dos países maduros no curto prazo se esvaíram. Por outro lado, o pessimismo dos mercados e a falta de instrumentos dos gestores de política econômica das principais economias deixaram o crescimento global sem chão.

Há uma revisão de cenários em curso. Mas ainda é prematuro imaginar que o mundo esteja à beira do abismo, como em 2008. Não há bancos quebrando, por enquanto, no centro do sistema financeiro internacional. O crédito não está paralisado, impedindo a vital circulação de liquidez para o funcionamento da indústria e do comércio, embora permaneça debilitado, sobretudo nos EUA. Por lá, o cenário mais provável ainda é de crescimento baixo e sujeito aos inevitáveis soluços e tropeços. As empresas americanas estão sólidas, as famílias estão se desalavancando lentamente, os bancos continuam refratários a retomar sua função de prover financiamento, mas estão menos alavancados e mais robustos do que há três anos. O governo está entalado com uma herança fiscal maldita, e o Fed esgotou a sua criatividade. Futuras medidas de afrouxamento monetário não destoaram muito do que já foi feito desde 2008.

Mercados não gostam da falta de referências. Preferem os cenários direcionais, em que podem enxergar com mais clareza os extremos: uma recuperação, ou mesmo uma recessão. De um lado, as chances de um quadro recessivo na principal economia do mundo aumentaram. A perda de riqueza nas bolsas, a frustração dos investidores com a falta de direção dos líderes mundiais e com a chamada "década de austeridade" que se anuncia, a acentuação da aversão ao risco, são todos motivos para temer pelos rumos da economia mundial. Diante desse grau de pessimismo, as empresas, mesmo líquidas e pouco alavancadas, podem acabar interrompendo seus planos de investimento e de contratação, afetando famílias que já estão bastante apreensivas com a possibilidade de que tenham de pagar impostos mais altos no futuro e/ou de que percam alguns benefícios que têm permitido a sustentação da renda para garantir o padrão de consumo. Ou seja, movimentos de reprecificação de risco suficientemente severos e prolongados podem acabar respingando na economia real e levando ao temido "duplo mergulho", mais uma vez na ponta da língua dos analistas.

Por outro lado, o mais provável é que o mundo ainda tenha de conviver com a falta de cenários minimamente confiáveis e com a volatilidade acentuada derivada da ausência de referências. A Europa continuará criando confusão nos mercados, ao entrecortar o embalo letárgico da retomada americana com as notas dissonantes de uma potencial crise bancária, lembrando que o cenário global é complexo. Com o envolvimento da Itália e da Espanha na desarmonia europeia, a capacidade de articular uma solução para os problemas que afligem a região sofreu um enorme baque, forçando o Banco Central Europeu (BCE) a tornar-se, novamente, o maestro que não quer ser. A atuação da autoridade monetária europeia nos mercados secundários de dívida, embora bem-vinda, é mais um artifício para ganhar tempo.

Não há clareza sobre a disposição da instituição e de seus pilares de sustentação, a Alemanha e, em menor grau, a França, de perpetuar esse papel. Problemas políticos no primeiro caso, e ameaças de rebaixamento da classificação de risco no segundo pairam tanto sobre a margem de manobra do BCE quanto sobre a transferência de responsabilidade para o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, que ainda não dispõe dos recursos para cumprir suas novas atribuições.

Diante do agravamento do quadro internacional, a presidente Dilma não quis reeditar o discurso complacente do seu antecessor. Preferiu uma nota sóbria. Isso, no entanto, não impediu que alguns membros do governo começassem a falar da necessidade de reduzir os juros e/ou usar outros instrumentos de relaxamento monetário. Mas o quadro inflacionário brasileiro ainda não permite que se inicie a desejada redução da Selic. A inflação mensal está em queda, porém a variação dos preços nos últimos doze meses está desconfortavelmente próxima de 7%, muito acima do teto da banda do regime de metas. A ênfase na solidez das contas públicas e na estabilidade econômica é a melhor forma de manter a boa reputação do país.

A crise de 2008 nos EUA denunciou o esgotamento do modelo de crescimento com sobre-endividamento fundamentado no crédito farto e barato. A crise de 2010/11/? na Europa denunciou o esgotamento do modelo de "entitlements" sociais, com sobre-endividamento do governo e má gestão do gasto público (Grécia, Portugal, e Itália), além de também revelar os riscos do sobre-endividamento privado (Espanha e Irlanda).

As famílias brasileiras estão mais endividadas, sua renda mais comprometida, mas ainda é possível afastar os riscos do aumento desorganizador das taxas de inadimplência. O governo deve fazer o possível para continuar reduzindo o impulso fiscal decorrente da expansão dos gastos. Evitaremos o erro dos outros com um crescimento mais moderado, e inflação mais baixa, mantendo o nosso chão, ainda que sob um teto.

Monica Baumgarten de Bolle, economista, é professora da PUC-RJ e diretora do IEPE/Casa das Garças

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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