segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Indústria: corte de R$ 16 bi em investimentos


A insegurança causada pela nova turbulência na economia mundial deve levar as empresas a engavetarem projetos já este ano. Segundo a Fiesp, o corte nos investimentos pode passar de R$ 16 bilhões

Indústria deve ter maior corte de investimentos

TREMOR GLOBAL: Especialistas veem país mais forte que em 2008 por habitação, infraestrutura e eventos esportivos

Fiesp estima que até R$16,7 bilhões em novos projetos poderão ser engavetados por causa da nova crise mundial

Henrique Gomes Batista, Mariana Durão e Wagner Gomes

RIO e SÃO PAULO. A história tende a se repetir e o Brasil deve ter uma redução dos investimentos por causa da nova turbulência mundial, causada pelo rebaixamento da nota de crédito do governo americano pela Standard & Poor"s e pelo alto endividamento de países da zona do euro. Mas especialistas divergem sobre o tamanho do tombo. Alguns imaginam que a queda não deva ser tão grande como em 2008 - quando os investimentos passaram de 19,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no Brasil) para 16,7% no ano seguinte, o que ainda não foi totalmente recuperado. Outros, como José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), estima que serão engavetados até R$16,7 bilhões em novos investimentos, ou 10% do que a entidade previa para este ano.

Segundo Coelho, a queda no ímpeto das empresas é reflexo da esperada redução das exportações e da diminuição das vendas no mercado interno. Um levantamento divulgado em abril passado pela Fiesp, feito junto a 1.240 empresas de todos os portes e com atuação nacional, apontava um volume de R$167,1 bilhões em investimentos para este ano. O número já era 4,7% menor que o de 2010.

- Ainda sem imaginar que o problema seria tão sério, a indústria previa uma queda de 4,7% nos investimentos. Agora que a crise se agravou, os investimentos devem cair mais de 10% - previu Coelho, que colocou entre os setores que mais reduziriam os investimentos alimentício, químico, de máquinas e equipamentos, e couro e calçados. Na contramão estavam os fabricantes de papel e celulose, açúcar e álcool e móveis.

- Até que se tenha uma dimensão maior da crise, dificilmente haverá decisões de novos investimentos - disse.

Atual crise era mais previsível, diz BNDES

Mas o ex-secretário de Política Econômica da Fazenda e atual economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida, minimiza o problema.

- Não tem como o Brasil escapar: a crise vai afetar os investimentos. Mas não deve chegar ao setor de habitação, que cresce muito, nem à infraestrutura, pela atuação do governo. Além disso, temos a Copa e as Olimpíadas, que deverão manter seus investimentos. O investimento afetado é aquele mais poeira, de pequenas empresas. Não deve haver o cancelamento de uma nova fábrica, por exemplo, mas talvez o adiamento da compra de uma máquina - exemplifica.

O Itaú Unibanco divulgou na quinta-feira um relatório em que aponta como um dos cenários possíveis uma queda no investimento, por causa do aumento da incerteza. "Como os investimentos não são facilmente reversíveis, em um ambiente de maior incerteza sobre o futuro uma parte deles seria adiada. A queda do preço das ações também desestimularia a aquisição de máquinas e equipamentos, pois ficaria mais barato adquirir uma empresa no mercado do que investir no negócio através da construção de uma fábrica, por exemplo", diz o relatório.

Fernando Pimentel Puga, chefe do Departamento de Acompanhamento Econômico e Operações do BNDES, acredita que a situação do Brasil é muito diferente do passado e que o impacto da crise nos investimentos tende a ser mínimo:

- Esta crise era muito mais previsível, ela já foi "precificada" pelas empresas - afirmou o economista.

Puga não vê dificuldades nem mesmo para o financiamento desses investimentos. Além de muitos deles já estarem contratados, ele acredita que a reação dos EUA à crise deve ampliar a liquidez mundial e bons projetos brasileiros receberão parte desses recursos. Ele cita diversos exemplos de setores que não estão sofrendo pressão, como papel e celulose:

- O mundo está migrando de celulose de fibra longa para fibra curta, e todos os projetos do mundo em fibra curta estão no Brasil - exemplificou, citando ainda fertilizantes e agronegócio como setores em expansão.

Grandes mantêm planos. Siderurgia fica em alerta

Até o momento não há notícias de empresas que tenham cancelado ou suspendido investimentos. Entre as grandes companhias brasileiras, todas mantém seus planos. Na Petrobras, por exemplo, são US$224,7 bilhões para os próximos anos. A Vale também reforça o investimento de US$24 bilhões até o fim do primeiro trimestre de 2012. O Grupo EBX, de Eike Batista, vai investir US$15,5 bilhões até o próximo ano.

A Anfavea diz que "é prematuro afirmar agora que a crise internacional já afete ou venha a afetar os planos da indústria automobilística a curto prazo", uma vez que os investimentos no setor são estruturais e programados para períodos longos. A Hildebrando, braço de tecnologia da informação da Telmex - do bilionário mexicano Carlos Slim, que controla Embratel e Claro - está otimista e vai manter planos de expansão. Para seu presidente, Mário Rachid, o setor não vê crise.

Já o setor siderúrgico admite que está em alerta. Segundo Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil (IABr), os investimentos de US$30,7 bilhões projetados até 2016 ficam em compasso de espera - sem falar em outros US$23 bilhões de projetos de Vale e outras empresas não associadas ao IABr. Eles elevariam em 12,1 milhões de toneladas a capacidade instalada no Brasil, hoje de 47,4 milhões de toneladas. Em 2011, a produção deve ficar em 36,3 milhões de toneladas, e o consumo aparente, em 25,8 milhões. Um dos grandes temores é uma invasão de produtos chineses:

- O investimento estará ligado ao crescimento do mercado interno. A receita do bolo anticrise é o próprio Brasil. Não faz sentido jogar mais aço num mercado externo com excedente de capacidade - diz Lopes.

A siderurgia mundial já vivia um cenário delicado, com preços deprimidos, minério de ferro e carvão caros e um excedente de capacidade de produção de 530 milhões de toneladas no mundo - boa parte vindo da China. Na crise de 2008, as siderúrgicas brasileiras fecharam seis dos 14 altos-fornos do país, em resposta a queda de 50% na demanda por aço naquele ano.

A diretora da MB Associados, Tereza Fernandes, disse que os investimentos podem até desacelerar no setor de mineração e siderurgia, mas não há previsão de diminuição geral dos recursos aplicados no Brasil. A Tendências Consultoria também reviu a previsão de crescimento da indústria este ano de 2,7% para 2%.

FONTE: O GLOBO

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