Uma segunda revolução - desta vez para pedir a saída dos militares - assombra o Egito, nove meses após a queda do ditador Hosni Mubarak. Acuado por milhares de manifestantes, o marechal Mohamed Tantawi, líder da junta militar que comanda o país, foi à TV para anunciar que vai acelerar as eleições presidenciais, que devem ocorrer até meados de 2012. Sem detalhes, propôs ainda deixar o cargo se a população assim decidir num referendo. E manteve as eleições legislativas de segunda-feira. Na Praça Tahrir, num clima de déjà vu, a multidão rejeitou a oferta, exigindo o fim do regime militar
A revolução da revolução egípcia
Militares prometem acelerar transferência a civis, mas manifestantes exigem saída imediata
CAIRO - Nove meses após a queda de Hosni Mubarak, os egípcios parecem viver uma segunda revolução. Como nos dias finais do antigo regime, em que o ditador fez um pronunciamento nacional enquanto milhares de manifestantes ocupavam o centro do Cairo, o líder da junta militar que comanda o país foi à TV e prometeu acelerar a transição para um presidente civil. Após um acordo com líderes políticos - a maior parte deles integrantes de grupos islâmicos - o marechal Mohamed Hussein Tantawi anunciou que as eleições presidenciais devem ocorrer em meados de 2012, manteve as eleições legislativas marcadas para a segunda-feira e afirmou que deixaria o cargo se a população assim decidisse num referendo. O acordo, no entanto, foi fechado numa reunião boicotada por vários partidos e pode não agradar a grupos progressistas. Além disso, pode ter vindo tarde: a primeira reação dos manifestantes reunidos na Praça Tahrir foi responder com gritos de "fora".
- As Forças Armadas não aspiram governar e colocam os interesses do país sobre as demais considerações. Elas estão preparadas para entregar o poder imediatamente e retornar a seu dever original de proteger a pátria se o povo desejar, mediante um referendo popular se necessário - disse Tantawi.
Numa das maiores concentrações desde a queda de Mubarak, cem mil pessoas lotaram ontem a praça e manifestaram sua desaprovação:
- Nós não saímos, ele sai! - disseram em coro.
O anúncio veio depois de o conselho militar se reunir por cinco horas com representantes da Irmandade Muçulmana e outros grupos islâmicos, numa sessão boicotada por vários partidos. A junta aceitou a renúncia do Gabinete do premier Essam Sharaf e, segundo fontes, fez um acordo que prevê uma eleição presidencial no máximo até 30 de junho, assim como um novo Gabinete civil - mais cedo chamado de governo de salvação nacional - que poderia ser liderado por um tecnocrata, informou o "New York Times". Pelo cronograma, o presidente só seria eleito no final de 2012 ou início de 2013. A manutenção da primeira rodada das eleições para a Câmara de Deputados na próxima segunda-feira é vista como uma vantagem para a Irmandade Muçulmana, que deve conquistar uma grande fatia do Parlamento.
- O que ele quer dizer com referendo? - perguntou o advogado Hossam Mohsen, na Tahrir, referindo-se a Tantawi. - Estar aqui já é o nosso referendo. O Egito está aqui.
EUA consideram uso da força deplorável
Mais cedo, fontes contaram que os militares teriam procurado o ex-diretor-geral da agência nuclear da ONU e prêmio Nobel da Paz, Mohamed ElBaradei, para que formasse um novo governo interino. Mas ElBaradei, que não compareceu à reunião, estaria hesitante, temendo não ter autonomia para nomear o Gabinete.
Após participar da reunião, Aboul-Ela Madi, presidente do partido al-Wasat (dissidência da Irmandade Muçulmana), disse que isso era "o máximo que conseguiram".
- A praça é uma coisa e a política é outra - declarou Madi.
Os confrontos entre os manifestantes e policiais já mataram 36 pessoas, reproduzindo na Praça Tahrir o cenário de guerra dos últimos dias de Mubarak. Eram constantes as sirenes de ambulância ao redor da praça, enquanto gás lacrimogêneo era jogado contra os manifestantes em seu quarto dia de protestos. Embora ativistas islâmicos tenham iniciado a nova onda de protestos no sábado, a Irmandade Muçulmana ficou fora das manifestações de ontem, alegando querer evitar novos confrontos. A "segunda revolução" explodiu após uma proposta para a futura Constituição que manteria as Forças Armadas permanentemente longe do controle civil.
Em mais um déjà vu, Ahmed Shouman, um major que ficou famoso após se unir aos protestos contra Mubarak no início do ano, voltou ontem à Praça Tahrir e foi carregado nos ombros pelos manifestantes. Shouman foi absolvido numa corte militar após ter desertado em fevereiro, mas foi suspenso do Exército.
Os protestos se repetiram em outras cidades, como Alexandria, onde a polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar uma passeata que reuniu sete mil pessoas. A repressão levou o Departamento de Estado dos EUA a se pronunciar de forma mais dura, condenando o uso excessivo da força, chamado de "deplorável". Três estudantes americanos foram presos, acusados de lançar coquetéis molotov contra policiais.
À pressão da praça se juntou a de 245 diplomatas egípcios, que ontem divulgaram um comunicado cobrando o fim da violência e a antecipação da eleição presidencial. Ligados ao poder desde 1952, os militares temeriam perder regalias. Calcula-se que eles controlem 40% da economia egípcia.
FONTE: O GLOBO
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