Duas leis sancionadas pela presidente Dilma Rousseff na última sexta-feira representam, juntas, indiscutíveis avanços na direção de um atributo indispensável ao bom exercício da democracia: a transparência.
A criação da Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação são as boas novas em meio a tantas más (e velhas) na política e suas circunstâncias.
A primeira fecha um ciclo, ao pretender investigar e revelar ao País o que ainda não se sabe sobre as agressões aos direitos humanos cometidas durante o regime militar.
A segunda assegura ao público pagante (de impostos) acesso às informações dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário nos âmbitos federal, estadual e municipal. Na teoria, o que não estiver sob sigilo, bastará ser requerido para tornar-se sabido.
Na prática, o desafio dessas duas iniciativas é saírem do papel da melhor e mais próxima maneira daquela pretendida pelos que se propuseram à empreitada. Não é tarefa de fácil execução.
Digamos que diante do que há pela frente a aprovação no Congresso e a sanção presidencial tenham sido as etapas mais fáceis. Houve acordo, civilidade e ótimas intenções.
Transformá-las em realidade serão outros quinhentos.
A Lei de Acesso à Informação tem seis meses para entrar em vigor, prazo certamente previsto para que o poder público tenha tempo de se estruturar para atender às demandas de pessoas, entidades, empresas, instituições, como previsto na legislação: com o mínimo de burocracia e o máximo de eficiência.
É um serviço hoje inexistente, cuja montagem não é coisa simples, mas com empenho se faz. O obstáculo mais complicado de ser ultrapassado será o da mentalidade prevalente no Estado de que não é um ente a serviço da população, mas justamente o oposto: seus eventuais ocupantes é que costumam se servir da delegação pública.
Hoje, o que se vê em todas as instâncias de poder é a resistência ao fornecimento de dados. Agora isso passa a ser uma obrigação legal, mas não está claro por intermédio de qual instrumento será possível fazer valer o direito.
Recursos à Justiça, à Controladoria-Geral da União, ao Ministério Público? Foge ao espírito do acesso franqueado.
Os órgãos públicos podem publicar seus dados na internet, mas não necessariamente todos os que interessam a quem procura.
É o tipo da lei que dependerá de um processo de mudança profundo - nas ações e nos pensamentos dos mundos público e privado - para "pegar" ou virar letra morta.
Muito se falou quando da discussão do projeto da lei na questão do sigilo eterno, resolvida com a limitação a 50 anos para a liberação de documentos tidos como secretos.
Mas o principal ponto é a abertura de informações relativas ao cotidiano dos governos. Mudar isso, num ambiente em que o Estado se comporta como dono daquilo que de fato pertence ao cidadão, será algo equivalente a uma revolução.
Quanto à Comissão da Verdade, a arte primeira será da presidente Dilma Rousseff para formar um grupo de confiabilidade, bom senso e experiência suficientes para que o trabalho não se perca em partidarismos nem revanchismos.
Essa exigência está consagrada na proposta, que excluiu punições e impõe observância à Lei da Anistia, de resto consolidada por manifestação do Supremo Tribunal Federal.
Mas, como na Lei de Acesso à Informação, embora guardadas as proporções aqui também a prática é que ditará o sucesso ou o fracasso de uma iniciativa salutar.
Óbvio? Nem tanto quando o que está em jogo não é o simples cumprimento de um texto legal. É a compreensão de todo o processo de construção da retomada da democracia a partir de um pacto cujas cláusulas atenderam às especificidades do País e que, sem ingerências estranhas a elas, precisa ser concluído com a exposição da verdade. Nada além da verdade.
Ícone. Reconheçamos: José Sarney é incansável.
Essa agora de contratar uma consultoria para melhorar a própria imagem e pagar com dinheiro do Senado é, como se dizia no tempo em que Sarney era deputado "bossa nova" da UDN, de cabo de esquadra.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário