Contando o governo com maioria parlamentar, é óbvio que não tenha razões para patrocinar uma CPI a fim de investigar sua própria atuação e o funcionamento de serviços dele integrantes. Daí por que, em princípio, essa responsabilidade cabe à minoria. Tanto que, com o correr do tempo, foi-se formando o entendimento segundo o qual seria desairoso impedir ou embaraçar a investigação parlamentar, mas também acontecia que a truculência da maioria estrangulasse a minoria sob as mais versadas formas do abuso de poder. Foi por isso que a Constituição de Weimar, de 1919, inscreveu como prerrogativa da minoria criar CPI independente da anuência ou da malquerença do governo, bastando que um terço da Casa assinasse o requerimento e o apresentasse à Mesa ou ao presidente, independente do plenário e de sua maioria. Diga-se de passagem, a cláusula da Carta alemã logo encontrou seguidores, inclusive pela Constituição brasileira de 1934...
Contudo, a despeito de serem de vária ordem e autoria os numerosos fatos de relevância, quiçá inaudita, que têm vindo ao conhecimento da nação e amplamente divulgados por todos os meios de comunicação, a honrada senhora presidente manifestou-se contrariamente à projetada Comissão e, como também foi fartamente publicado, depois conferenciou com seu antecessor. A cautela da senhora presidente se inspirava no risco de a Comissão poder atingir figuras do governo. É de presumir-se que ela sabia o que dizia e por que o fazia. O certo é que a CPI foi criada, mas estranhamente não foi fácil escolher o seu presidente e ainda mais o relator, ambos escolhidos pelo governo e dentre governistas, o que é ostensiva e abusiva interferência do Executivo. Tratar-se-ia de comissão de chapa branca. O fato é que a hipótese se converteu em realidade nua e crua, embora ela não fosse graciosa, uma vez que a senhora presidente não se acanhou em "blindar", sic, publicamente, pelo menos dois de seus afeiçoados em relação aos quais havia sérias imputações.
A mudança da senhora presidente, no tocante à CPI, depois da conferência com seu antecessor, levantou a ponta da toalha tanto mais quando o caso vai coincidir com o julgamento do mensalão pelo STF. Por fim, é de lembrar-se que o ex-presidente Luiz Inácio, no fim do seu governo, disse que iria dedicar-se a desmanchar a "farsa do mensalão". Não há quem não veja coincidência na ação da CPI com o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal.
Em breve, o interesse geral se transfere às eleições municipais, e a falta de número no Congresso em tais ocasiões é notória e praticamente inafastável. Quer isto dizer que dificilmente haverá número para a CPI, integrada por 32 parlamentares, reunir-se regularmente e não é de estranhar que o fato previsível e previsto venha a servir para alguma surpresa, deixando à margem fato relevante que deveria ser apurado, para desprestígio do Legislativo, aliás, já reduzido em seu prestígio.
Por tudo isso e muito mais, e salvo erro meu, a CPI criada por um terço da Câmara, mas dominada pela maioria, pode reduzir-se a uma caricatura da cláusula constitucional ao consagrar um caso de deliberação minoritária para fins de coibir excessos da maioria. Ora, o que vem aparecendo de Norte a Sul, no setor público, é verdadeira furunculose que entristece e revolta. A CPI poderia ser um sinal de redenção, mas não está excluído o triunfo desastroso da prepotência, o que seria deplorável.
Estou a lembrar-me do que, faz mais de século, escreveu Rui Barbosa, "as formas políticas são vãs, sem o homem que as anima".
*Jurista, ministro aposentado do STF
FONTE: ZERO HORA(RS)
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