Ciência da escassez na origem, a economia herdou a confiança do Iluminismo no progresso infinito
Os economistas não querem aceitar que existem limites insuperáveis para o aumento da produção e do consumo. Ciência da escassez na origem, a economia herdou a confiança do Iluminismo no progresso infinito do homem. Só que agora é a própria ciência a declarar que os mercados não podem continuar a viver em expansão contínua.
Para economistas e empresários negacionistas do aquecimento global, o "Relatório Stern" sobre o impacto da mudança climática na economia abria-se com frase chocante: "O aquecimento global representa o maior exemplo de falência de mercado em toda a história".
Infelizmente não é apenas no clima que o produtivismo dos mercados nos aproxima da violação de outros limiares biofísicos. Nove desses limites foram identificados e quantificados pelo Stockholm Resilience Center, que revolucionou a abordagem tradicional da questão, antes concentrada na mudança climática e na extinção de espécies.
A relativa estabilidade de que desfrutou a Terra nos últimos 10 mil anos é hoje ameaçada pela intensificação das atividades econômicas nos mais diversos setores: atmosfera, oceanos, solos, água.
Foi essa estabilidade que permitiu o florescimento da agricultura e o desenvolvimento da civilização. Ultrapassar um ou vários desses limites (eles são inter-relacionados) arriscaria desencadear mudanças abruptas e irreversíveis das condições naturais.
Algumas dessas mudanças já ocorreram: o desaparecimento da cobertura de gelo no verão ártico, o derretimento de quase todas as geleiras do mundo, a elevação irresistível do nível dos oceanos.
Em três dos limites há indício de que talvez se tenha transgredido o limiar da zona de segurança: em mudança climática, na biodiversidade e na dosagem de nitrogênio na biosfera e nos oceanos (o fósforo se aproxima desse patamar).
Um quarto limiar, o da camada de ozônio, é até agora o único exemplo no qual a ação corretiva adotada pelo Protocolo de Montreal conseguiu deter a deterioração.
Os outros cinco limites são: uso da água doce, mudanças no uso do solo, acidificação dos oceanos, quantidade de aerossóis na atmosfera e poluição por metais, compostos orgânicos e radioisótopos causadores de perda de fertilidade e desaparição de espécies. Exceto nos dois últimos, nos quais prossegue o esforço para definir a fronteira de risco, os cientistas foram capazes de indicar limites quantitativos precisos do ponto além do qual não se deve ir.
Esse tem de ser o foco da Rio+20: os limites biofísicos planetários que condicionam o crescimento da produção e do consumo. Se os limites forem violados, não haverá crescimento nem bem-estar social porque as consequências serão catastróficas e irreversíveis.
Será possível impor limites aos mercados? Em artigo memorável, o teólogo protestante Harvey Cox lembrava a história do mestre Zen que dizia, ao morrer, só ter aprendido uma coisa: "Quanto era o bastante".
O problema, comentava Cox, é que para o mercado "o bastante nunca basta". Caberá, assim, não aos mercados, mas aos governos estabelecer como se poderá assegurar crescimento e bem-estar suficientes de modo a não colocar em risco os limites intransponíveis do planeta.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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