Taxas menores são avanço óbvio, mas vão obrigar o país a encarar outros problemas econômicos
Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil são. Ou já foram, segundo Macunaíma, Policarpo Quaresma ou Monteiro Lobato. A taxa de juros alta foi a saúva dos últimos 20 anos. Mas a taxa básica de juros vai agora a 2,5%, em termos reais (afora a inflação). Não se sabe se vai ficar por aí, mas suponha-se que fique. Os juros dos bancos então vão encarnar a maldição da formigona.
Suponha-se que os juros bancários sejam um exagero, e parece que são. Mesmo que sejam talhados, isso vai resolver o nosso problema? Não. Vamos matar umas formigas, mas ainda faltará saúde. Ou mais poupança. Ou mais investimento.
Pode-se argumentar que ainda temos a "maior taxa de juros do mundo", pois a Selic, a taxa básica de juros, aquela que o Banco Central "define" a cada mês e meio, é de 9% (dá-se de barato que será de 8,5% no final de maio. Talvez de 8% no final do ano). Mas uns 80% dessa taxa são inflação e imposto.
No que interessa mesmo na praça do mercado, a taxa "básica" de juros caiu a menos 2,4% ao ano na sexta-feira. Lá por junho, deve cair a 2% ou menos. Vão correr leite e mel no mercado de crédito? Não.
Não se trata de negar os progressos. Parece quase fantástico, também no sentido de "fantasia", que o juro real chegue a 2% ao ano -faz um ano, estava em 6,5% ao ano.
Dá quase como uma impressão de ter ficado rico, mas no jogo de Banco Imobiliário ("Monopoly") ou nos devaneios com a Mega Sena.
Sim, há progresso. Taxa menor tende a reduzir o desperdício de dinheiro público com pagamento de juros, pode colaborar para a redução mais rápida da dívida pública e ajuda a reduzir a desigualdade de renda, além de obviamente reduzir custos de consumo e investimento.
Se duradoura, a redução dos juros básicos e do custo da dívida pública tende a incrementar os fundos disponíveis para empresas.
Mas o "duradoura" é importante: as pessoas precisam ver para crer, para aprender a diversificar investimentos. O mercado precisa criar instrumentos para canalizar essa parte da poupança que vai deixar de ser emprestada ao governo.
Mas vai sobrar mesmo dinheiro assim para crédito e empresas? A mudança dos juros é duradoura?
O governo tem um deficit cada vez menor -neste ano talvez chegue a menos de 2% do PIB. Mas ainda rola um terço de sua dívida todos os anos, o que dá uns 12% do PIB.
Ainda precisaremos de alguns anos de contenção de gasto público, de governo superavitário e de reformas técnicas (na rolagem da dívida) e institucionais para que o governo deixe de absorver parte relevante da poupança privada. Para fazer um resumo curto e grosso, "falta dinheiro", poupança, para alimentar o crédito mais barato.
O juro real baixo vai durar? Depende da inflação chatinha, que resiste a descer dos 5%. O contexto mundial é extraordinário: liquidez (dinheiro) abundante, juros baixos, crescimento baixo e inflação baixa, com risco de deflação. Isso nos ajuda a manter taxas baixas. E depois?
Supondo que aumente o crédito disponível: há produto disponível? Isto é, temos capacidade produtiva e produtividade para satisfazer o aumento do consumo sem inflação ou sem aumentar de forma esquisita o nosso deficit externo?
Juros baixos são apenas o começo de uma conversa ainda longa.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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