Economista alerta para o risco de Congresso sair desacreditado se CPI do Cachoeira não der em nada
Entrevista: Eduardo Giannetti
SÃO PAULO. Há 15 anos, o filósofo, economista e escritor Eduardo Giannetti da Fonseca lançava seu livro mais conhecido. "Auto-Engano" trazia uma reflexão sobre a necessidade que o ser humano tem de se iludir - e o impacto que isso tem na ética, na vida pública e na vida privada. Questão, segundo ele, bastante atual num Brasil que caminha para uma importante CPI.
Mariana Timóteo da Costa
O GLOBO: A CPI do Cachoeira tem características diferentes: muita informação sobre os escândalos já foi divulgada, e os suspeitos fazem parte de variadas forças políticas, além do envolvimento da iniciativa privada. Ela pode, assim, gerar consequências mais sérias?
EDUARDO GIANNETTI: Torço para que sim. Mas acho que as instituições saem desacreditadas sempre que uma investigação é armada em cima de cálculo político, em ano eleitoral. Duas coisas me perturbam: primeiro é ver a vida política do Brasil, que tem tantos desafios, ser consumida por escândalos que tiram o foco de questões reais que comprometem o bem-estar da população. Parece que nosso Congresso só acorda quando uma CPI é criada. A segunda é, como cidadão, passar por mais uma investigação com alta probabilidade de dar em nada.
Mas não é importante para a opinião pública conhecer melhor os escândalos?
GIANNETTI: Um Congresso incapaz de produzir resultados deixa a sociedade desacreditada. Mas claro que queremos conhecer os culpados, ainda mais se a CPI for conduzida com objetividade e resultar em punição. A imprensa vem mostrando muita coisa, mas não escondo minha perplexidade com a forma com a qual essas notícias vêm sendo vazadas: eu gostaria de ver reportagens acompanhadas de explicações sobre quem controla e manipula a divulgação dessas informações a conta gotas.
Qual o grau da confusão entre o público e o privado no Brasil?
GIANNETTI: Alto, e cada vez maior. O privado interfere indevidamente nas escolhas públicas, e o público trata o privado como se fosse propriedade sua. Enquanto o povão tem o Bolsa Família, a elite empresarial tem a Bolsa BNDES. Ou seja, você tem a população de baixa renda e a elite tuteladas pelo Estado. Ao meu ver, o governo Dilma, muito mais do que o governo Lula - especialmente o do primeiro mandato, para mim o melhor -, tem uma certa afinidade ideológica com o nacional-desenvolvimentismo do governo de Ernesto Geisel. A ideia de um Estado forte, orientador, que escolhe os vitoriosos do setor privado, que monta os grupos econômicos, articulando estatais, multinacionais e empresas nacionais, que determina a destinação dos investimentos.
Como filósofo, dá para analisar a formação moral de corruptos no Brasil?
GIANNETTI: Passa pelo que chamo de o "paradoxo do brasileiro", o problema sempre está no outro. Eu até condeno o que vejo ao meu redor, mas não me sinto parte do todo. Há um autoengano porque tudo que está aí é resultado de todos nós, juntos. Quem corrompe e quem se deixa corromper pode pensar: "todo o mundo paga propina e, se eu não fizer, estou fora do jogo".
Especialistas dizem que, enquanto a situação econômica estiver boa, a população não se comoverá com CPI, nem com o julgamento do mensalão.
GIANNETTI: O maior risco que o Brasil corre é o da complacência da opinião pública com seus governantes, já que realmente vivemos um momento econômico bom. Mas esta sensação de bem-estar imediata não nos garante um futuro de prosperidade. Temo que o deslumbramento desta classe média emergente a cegue para escândalos e para a pobreza institucional do país.
FONTE: O GLOBO
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