Em recente e histórica decisão, o STF, por unanimidade, confirmou a constitucionalidade do estabelecimento de quotas nas universidades. Em seus votos todos os ministros se referiram a este tipo de acesso ao ensino superior como medidas compensatórias expressivas de uma autocrítica nacional em relação ao nosso passado escravista. A ministra Carmen Lúcia, como que resumindo as razões da decisão da Corte, assim se expressou no seu voto: “As ações afirmativas não são as melhores opções, a melhor opção é uma sociedade com tudo mundo livre para fazer o que quiser. Isso é um processo, uma etapa, uma necessidade em uma sociedade onde isso não aconteceu naturalmente”.
Tal equacionamento em termos mais amplos, esse horizonte apontado pela ministra suscita a associação dos programas sociais dos últimos anos, em particular o Bolsa Família, como o seu exemplo bem-sucedido, à questão da sua sustentabilidade, ao tema das políticas públicas de mais alento que a ele precisam ser associados. No caso, desde logo, e do nosso ponto de vista, ao estarmos na UFRRJ, uma reforma agrária circundante ao lugar onde se processa a compensação social. Um reforma agrária no seu sentido mais contemporâneo (medidas, diversas e convergentes, relativas ao agrário e ao rural) que torne aquele programa congruente com os seus fins concebidos originariamente no Sistema de Proteção Social (do tempo de FHC): a possibilidade de uma porta de saída dos desvalidos apoiados pelo Bolsa Família.
Em relação às transformações que estão ou poderiam ocorrer no entorno do Bolsa Família, quatro tipos de bibliografia das ciências humanas podem ser considerados de leitura proveitosa, desde que sem a paixão ideológica que hoje com frequência envolve a discussão sobre o tema do social.
De um lado, estão autores que realçam a superação da pobreza extrema de consideráveis contingentes e certa animação das localidades atribuída ao Bolsa Familia (mais atividade comercial, mais movimento de pessoas); e, de outro, críticos que chamam a atenção, com mais fundamento, justamente para a acima aludida necessidade de ações adicionais. Nesta bibliografia, são indicados programas especificamente dirigidos à emancipação dos desvalidos da condição de assistidos diretos pelo poder público (visando que esta situação não se estenda por tempo longo).
Em outra ponta da bibliografia crítica, há autores que registram nos locais do Bolsa Família a sedimentação do voto lulista em uma capilaridade eleitoral-partidária bem diversa da que se conhece neste país.
Existe ainda uma quarta linha bibliográfica que procura (com muito cuidado, para poder passar pela barreira da paixão ideológica e convencer em algum ponto importante) transcender o tema da urgência do assistencialismo aos pobres (assistencialismo sobre o qual temos larguíssimo, quase total consenso). Os seus autores (nos quais pessoalmente ponho muito interesse) colocam o tema do social na perspectiva de um desenvolvimento rural, ou seja, em um marco mais abrangente de atividades econômicas em geral e o conjunto da população local-regional, além dos pobres público-alvo do Bolsa Família. Um desenvolvimento rural centrado em políticas (de proteção social, mas fundamentalmente de infraestrutura, serviços diversos para a região etc.) variadas e estratégicas para dinamizar a vida produtiva e social de forma mais ampla e sustentável (com menos perigo de reversão em curto prazo, como pode ocorrer com o Bolsa Familia.
Acrescente-se a esses últimos tipos de reserva e às criticas da bibliografia antes referida que vem estudando o popularismo sociopartidário em expansão no país, as reclamações do MST, formuladas desde outras perspectivas e objetivos, como por exemplo quando resiste aos efeitos imobilistas do Bolsa Familia sobre sua base social e, noutra esfera, à cooptação pelo governo de áreas de influência e de quadros-chave para o movimento.
(Continua na próxima edição Rural Semanal)
Raimundo Santos, professor do ICHS-UFRRJ
FONTE: Rural Semanal, UFRRJ, Seropédica, n. 10, 7 a 13 de maio de 2012].
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