Eleições não deveriam estar voltadas exclusivamente para a escolha de candidatos.
Sociedades democráticas complexas, com múltiplos interesses, carregadas de problemas e governadas por sistemas complicados, como são as nossas - e como é, sobretudo, a cidade de São Paulo -, deveriam encontrar nas eleições um momento qualificado de autoconhecimento e definição do futuro. Mediante a contraposição pública e o debate aprofundado de diferentes proposições a respeito do viver coletivo, os cidadãos teriam espaço para refletir sobre o desafio e as vantagens de viverem juntos, obtendo, ao mesmo tempo, melhor entendimento das reais chances que cada um tem de ser feliz.
O debate público democrático é um recurso excepcionalmente virtuoso para que se construam decisões coletivas, se organizem agendas e planos de atuação, se hierarquizem problemas e demandas. É por meio dele que os cidadãos podem comparar candidatos e perceber o que os diferencia substantivamente. O debate ajuda a que se formem correntes de opinião e relações de lealdade entre candidatos, partidos, instituições e eleitores. E é nos momentos eleitorais que aumentam as oportunidades desse tipo de debate.
Pois bem. Não é de hoje que as eleições deixaram de ser um momento superior de vida democrática. Continuam importantes, sem dúvida, e ainda chegam a produzir algum frisson. Mas distanciaram-se do fundamental: não produzem mais nem debate público, nem lealdades ou vínculos de solidariedade, nem dinâmicas fortes de legitimação. Sobrevoam os cidadãos, os seus problemas existenciais, as suas aspirações e inquietações, pescando alguns deles de forma mais ou menos aleatória, sem plano ou concatenação programática.
Mas como sustentar tal afirmação quando se vê o esforço dedicado dos candidatos para buscar o voto dos eleitores, os exaustivos debates que entre eles se organizam, as entrevistas e as polêmicas em que se envolvem, às vezes até mesmo de modo passional, com vigor visceral? Como diminuir a dimensão política (com P maiúsculo) das eleições quando se vê o empenho com que as principais lideranças políticas do País se jogam nelas, como se fossem o último gesto de suas consagradas carreiras? Não haveria nisso tudo a prova de que as eleições vão muito bem, as instituições se consolidaram e a política está viva, produzindo seus frutos tanto quanto antes?
Seria descabido e equivocado retirar valor das eleições. Elas continuam a ser um rito democrático essencial na vida de nossas sociedades. Cumprem uma função importante, no mínimo, como coreografia, declaração de intenções e voz do Estado, por menos que se as ouçam. O ponto não é esse: diz respeito ao que elas não fazem em termos de organização da agenda da sociedade (um elenco de prioridades estratégicas), das expectativas e demandas de seus cidadãos. Diz respeito ao que elas representam de oportunidades perdidas.
Isso é assim, em boa medida, porque não há mais partidos políticos no sentido rigoroso da palavra. Os que existem se converteram em grêmios, empreendimentos que agregam alguns interesses particulares, mas nenhuma ideia substantiva, nenhuma proposta de futuro, nenhuma identidade política. Como os partidos mal se diferenciam entre si, transferem para seus candidatos a mesma vacuidade ideal e propositiva que os caracteriza.
Além disso, como não sabem movimentar-se fora do espetáculo e do mercado político, entregam o seu destino ao marketing, terceirizam as suas campanhas e permitem que elas sejam formatadas do mesmo modo que a venda de um automóvel ou sabonete. Entre muitas outras coisas, isso acaba por pasteurizar campanhas e candidatos, retirando substância de suas propostas em benefício de frases de efeito, ideias extravagantes, "pegadinhas" e histrionismo.
Uma onda uníssona e caótica de informações desaba, assim, sobre os eleitores, que tendem a aderir ao que mais reluz, a se refugiar no já conhecido ou simplesmente a cumprir sua obrigação constitucional e tocar a vida.
Dá para admitir que os partidos não tenham ficado assim somente por obra e graça de seus dirigentes e integrantes. O ciclo histórico em que nos encontramos - o do capitalismo globalizado, informacional, conectado, rápido e tecnológico - não lhes é nada favorável. A classe política não perdeu qualidade apenas porque passou a ser integrada por maus políticos. Aos partidos e aos políticos, no entanto, deve ser atribuído o ônus da inação: precisam ser criticados por estarem se entregando sem resistência a um modo de fazer política que desqualifica a democracia, diminui a representação e faz com que a política se distancie do cidadão, ou somente o atinja no plano adjetivo, da matéria bruta e do interesse, sem sequer tocar no céu dos valores, dos sonhos e do que é realmente importante.
Sem poderem explicitar seu potencial cívico e democrático, as eleições não produzem combustível para mudanças. No caso de São Paulo, o que deveria haver de debate político se traduz, na verdade, em briga e embate, sustentados por uma polarização retórica e superficial entre "petistas" e "antipetistas", bons "administradores" e políticos, "novos" e "velhos", que desfilam nas telas de nossas casas como peças de um museu de cera, provocando tédio, desânimo e deboche. É uma dinâmica que leva muitos eleitores à flutuação e a uma busca sôfrega por candidatos que tragam, ao mesmo tempo, segurança (um passado limpo, o cumprimento de promessas) e renovação, coisas que se encaixam com dificuldade. Zero de educação política, menos ainda de orientações programáticas, quase nada de inteligência técnica.
Mais tarde, fechadas as urnas e contabilizados os votos, a vida retoma seu curso, os candidatos são esquecidos e entre eles e a sociedade não se estabelece nenhum novo vínculo nem impulso reformador algum.
Professor titular de Teoria Política e Diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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