sábado, 25 de agosto de 2012

Uma cabeça, duas sentenças - Míriam Leitão

O ministro Ricardo Lewandowski ameaçou sair do plenário e não ouvir a réplica do ministro Joaquim Barbosa, na semana que vem, caso o presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, não dê a ele o direito de tréplica. Foi desconcertante esse bater de pé no chão do revisor. Precisou ser lembrado pelo presidente da Casa de que o relator tem papel de "centralidade".

Na votação, todos se igualam. Cada ministro, um voto. No entanto, a relatoria foi conferida a Joaquim Barbosa. O ministro Lewandowski pode e deve fazer seu trabalho de contraponto, pesponto ou complemento, mas o que não pode é revogar o fato de que o relator tem esse papel central. Os papéis são diferentes. Os dois trabalharam arduamente no processo, só que Joaquim, por cinco anos, Lewandowski, por seis meses. Se as palavras - relator e revisor - já não bastassem, os dois tempos iluminam a diferença de papéis.

Na sessão de quinta-feira, o revisor apresentou visão oposta à do relator no caso envolvendo o réu João Paulo Cunha. Tem esse direito. Da mesma forma que na véspera condenou Henrique Pizzolato, Marcos Valério e seus sócios por vários crimes que, na visão de ambos, foram cometidos no Banco do Brasil.

No voto, o relator mostrou que, através dos contratos de publicidade, foi montado na Câmara um centro de arrecadação. Da mesma forma que foi feito no Banco do Brasil. Então não é o caso de explicar apenas os R$ 50 mil. Vai muito além. Ficou claro também que não é o tamanho da vantagem que faz a culpa, mas a vantagem em si.

Parece mais lógica a narrativa do ministro relator pelos muitos indícios, provas, contradições e depoimentos de que foi usada a mesma metodologia nos dois casos. Não se pode imaginar que a SMP&B e a DNA fossem corruptoras no Banco do Brasil e impolutas na Câmara dos Deputados, se em tudo os atos das empresas se assemelham.

Pelo relato de Lewandowski, os R$ 326 mil de Pizzolato o incriminam, mas os R$ 50 mil de João Paulo, não. A diferença entre um e outro é que o ex-presidente da Câmara mandou a própria mulher; enquanto o ex-diretor do Banco do Brasil mandou um contínuo. As várias versões do deputado para o dinheiro sacado pela mulher não foram consideradas por Lewandowski.

Nisso, Pizzolato pelo menos foi mais consistente: manteve até em juízo a esquisita versão de que uma secretária de Marcos Valério ligou para ele e pediu para ele ir à cidade pegar uma encomenda para o PT. Ele não estranhou o fato de ser tratado pela secretária como um mensageiro, mesmo sendo diretor do Banco do Brasil e conselheiro da Previ. Disse apenas que naquele momento não poderia e pediu a um contínuo da Previ para pegar a encomenda do PT e levá-la à casa dele. Um detalhe: um partido pode usar os serviços de um fundo de pensão dos funcionários de um banco público?

O ministro Lewandowski disse que os serviços de assessoria pessoal prestados ao ex-deputado por um jornalista, pago pela empresa de propaganda da Câmara, são equivalentes à atenção dada ao presidente do STF por jornalistas do Supremo. Comparou laranjas e bananas. O presidente do Supremo tem papel institucional. João Paulo trabalhava pela sua carreira política.

O grande problema entre as duas partes conhecidas do voto do revisor é a falta de consistência interna. É mais convincente o relator, que considera que as empresas de Marcos Valério montaram fontes de arrecadação onde puderam para abastecer o esquema de distribuição de dinheiro. Há uma unidade no pensamento de Joaquim Barbosa e há uma contradição insanável no pensamento de Ricardo Lewandowski.

FONTE: O GLOBO

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