Comentando as eleições municipais, o editorial principal do Estadão de 9 de
outubro (A força dos grandes partidos, A3) observou que "as urnas de
domingo, em âmbito nacional, trouxeram resultados para quase todos os
gostos". E com razão. É difícil saber quem ganhou e quem perdeu. As
disputas envolvem um número muito grande de colégios eleitorais, alguns
insignificantes, outros de muita importância. Se o critério para avaliação de
vencedores e vencidos for o número de votos por legenda, os resultados
encaminham para uma dada conclusão; se o critério for o número de prefeitos
eleitos (ou de vereadores) o resultado pode ser outro.
Mesmo assim, sobram dúvidas. Um partido pode ter tido bons resultados em
muitos colégios eleitorais pequenos, em cidades ou unidades da Federação de
pouca expressão política. Pode ter ido bem na periferia e mal nos grandes
centros estratégicos. Seria possível ainda separar a votação nas capitais das
obtidas no interior. As capitais, independentemente da dimensão de seu colégio
eleitoral, são importantes porque têm forte influência nas disputas para os
governos estaduais.
Há, ainda, a questão do segundo turno. Considerar, para uma avaliação final,
apenas a votação do primeiro turno? Ou contar somente a do segundo turno? A
comparação dos votos partidários em ambos os turnos, porém, é pouco indicativa
das tendências do eleitorado. Legendas que estiveram no primeiro turno estão
ausentes do segundo. Além disso, como sabemos, no segundo turno grande parte
dos eleitores tende a votar contra o candidato que menos aprecia. Prefere
"o menos ruim".
As dificuldades da análise não terminam aí. Como medir a importância dos
resultados em grandes cidades do interior paulista (como Campinas, Guarulhos ou
Ribeirão Preto, por exemplo) com os de pequenas capitais de outros Estados?
Para complicar, um partido pode ter tido importante votação em termos do número
de votos para vereador, mas não ter tido bons resultados nas eleições
majoritárias. Pode ter deixado escapar o controle da prefeitura de uma cidade
importante por diferença muito pequena. Não adianta ter tido uma boa votação e
se proclamar "vencedor moral". O número elevado de votos obtidos não
servirá para nada.
Ainda não existe uma fórmula para calcular vencedores e vencidos em eleições
como essas. Fórmulas matemáticas - como as utilizadas para calcular o número
relevante de partidos - não medem consequências políticas (e psicológicas) dos
resultados e de seus efeitos no jogo político futuro. Êxitos em pequenas ou
médias cidades, até mesmo em pequenas capitais, podem não compensar derrotas em
capitais de muita importância, como é o caso de São Paulo. Ganhar a Prefeitura
paulistana tem efeitos nacionais. Pode dar fôlego político ao vencedor. Mas
cabe a pergunta de difícil resposta: a cidade de São Paulo vale quantas Rio de
Janeiro? Belo Horizonte vale quantas Porto Alegre?
Contudo, apesar das dificuldades de interpretação, de modo geral os
resultados desse primeiro turno permitem apontar pelos menos dois aspectos
principais. O primeiro é o aumento da fragmentação partidária, sugerida pela
presença de pequenos e minipartidos entre o primeiro e o segundo colocados nas
disputas de capitais estaduais: PMDB e PRB em Boa Vista, PV em Porto Velho e
Palmas, PCdoB em Manaus e Porto Alegre, PSOL no Rio de Janeiro, em Belém e
Macapá, PSC em Curitiba, PTC em São Luís. O segundo é o declínio do DEM, que
vem perdendo espaço também na Câmara dos Deputados. Nas capitais, o antigo PFL
venceu apenas em Aracaju. Ser for derrotado em Salvador, terá dificuldade para
sobreviver. Deverá pensar numa reciclagem, que começará com a mudança de nome.
Vejamos rapidamente o desempenho das principais legendas. O PSDB, que também
vem perdendo cadeiras na Câmara dos Deputados, conseguiu eleger Rui Palmeira em
Maceió. Foi para o segundo turno em outras seis capitais. Se vencer em São
Paulo e conseguir bons resultados nas outras cinco, será um dos grandes
vencedores.
O PT sofreu algumas perdas em cidades onde parecia bem consolidado. Venceu
no primeiro turno em Goiânia, mas perdeu no Recife. Terá de disputar o segundo
turno em Salvador e Fortaleza, que controlava. Ficou fora do segundo turno em
outras grandes capitais. Já está fora da disputa no Rio de Janeiro, em Vitória,
Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Se perder em São Paulo,
estará fora de todo o Sul e Sudeste. Desse modo, tal como para o PSDB,
conquistar a capital paulista será fundamental para seu futuro. Se perder em São
Paulo e no Recife, pode entrar na fase de desgaste de material provocado pelo
declínio do apelo ideológico e pela burocratização dos dirigentes que vieram
dos anos do "sindicalismo autêntico".
O PDT manteve suas modestas posições: venceu em Porto Alegre, foi para o
segundo turno em Curitiba, Natal e Macapá. Já o PMDB, a segunda bancada na
Câmara dos Deputados, registrou a grande vitória do Rio de Janeiro. Ainda
disputa o segundo turno em Florianópolis, Natal e Campo Grande. São ganhos
médios, mas dão bom cacife para a briga por cargos na administração pública.
Por fim, na contabilidade das capitais, o PSB pode ser visto como o
principal vitorioso: ganhou no Recife e em Belo Horizonte. Pode ainda
conquistar Fortaleza e Cuiabá.
Nesse quadro, é temerário arriscar prognósticos, especialmente porque há um
segundo turno que pode mudar tudo. Existem, todavia, algumas indicações de que
essas eleições parecem mais relevantes do que as anteriores: poderão dar mais
fôlego a legendas em declínio (como o DEM) ou em crescimento (como o PSB).
Cientista político, professor titular de Ciência Política da USP e da
Unicamp. Seus últimos livros sobre o assunto foram: Partidos, ideologia e
composição social (2002) e Mudanças na classe política brasileira (2006)
Fonte:
O Estado de S. Paulo
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