segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Reflexões à margem do grande prêmio - Wilson Figueiredo

Não será a primeira vez, e melhor seria que fosse a última, que a manobra para empurrar a candidatura Dilma Rousseff à reeleição, como uma grade de proteção à de Luiz Inácio Lula da Silva (salvo seja) ao terceiro mandato, se faz nos termos em que foi anunciada, sem cuidado com o uso de palavras comprometidas por antecedentes. Sem esquecer a desastrada desatenção com que foi lançada em circulação a lenga-lenga petista, clinicamente comprometedora de intenções que já nem podem ser consideradas ocultas.

A opinião pública como tal, e não filtrada em pesquisas que a expremem (e exprimem um percentual abstrato, sombra da alma coletiva), não dá sinais de ter considerado sensatamente a versão política enunciada com sotaque petista, segundo a qual a candidatura Dilma Roussef em 2014 se antecipou, se é que não se atropelou: acaba de vir a público, pela própria, para preencher o  empo disponível até lá. E poupar do desgaste a figura, a caminho de caricata, do ex-presidente em eterna disponibilidade.

A hipótese Lula recolheu-se, temporariamente, ao segundo plano, de onde espera, com o silêncio do próprio boquirroto, o futuro do pretérito E, se tudo correr como é desejo indisfarçado do petismo militante, e o governo der com os burros n´água ou, sem papas na língua, o entourage (em francês mesmo, para não ofender) lulista não faz cerimônia: “se houver crise” e, por via de conseqüência, ele, Lula, “despontar como pólo de consenso”, aí, sim, o eterno implícito em eleição presidencial no Brasil, “será candidato”. Enfim.

E foi assim, com tal cláusula adversativa da crise brandida como bandeira, que a candidatura Dilma desatracou inesperadamente das considerações preliminares pelas quais seu antecessor e sucessor se nivelam. Por quanto tempo presumível? O eleitor levou um susto. Mais um. Os partidos não estão nem aí, atracados em água rasa, para o que sobrevier. Nem a própria candidata parece preparada para emitir frase de efeito eleitoral. Deu a impressão de viver uma emergência, ou quem sabe uma submergência, entre tantas que herdou.

Enquanto Lula continua atracado à espera de que o tempo faça o que tem de fazer, sem levar em conta os discursos de baixo teor gramatical e de idéias em fase de retração, e (esse, sim, fatal ) uma classe média anterior e socialmente estabelecida. Social e historicamente, é bom lembrar. Enfim, como o petismo lançaria em Roma, Alea jacta esta. E, se a sorte está lançada, que seja: a presidência da República é o grande prêmio.

Se fosse tão fácil, com tamanha antecedência, controlar o curso de acontecimentos cuja imprevisibilidade é margem maior do que as ilusões políticas, eleições já estariam superadas por algum engenho eletrônico, e a história teria outra escrita.

Antes de mais nada, a suspeita de golpes de Estado é exercício da cidadania e, exercida de dentro para fora de governos, como vício político, pode comprometer a saúde social. Nasce e cresce, preferencialmente, dentro de governos, mas floresce também nas cercanias. Caracteriza sintoma que, embora intemporal, impregna expectativas à espreita da oportunidade. Um das ocasiões preferidas é a eleitoral.

Golpes políticos têm hospedagem reservada em qualquer poder que se preza mais do que ao próprio regime. Portanto, atribuir intenção de golpe a quem está do lado de for do poder é uma transferência de culpa de quem delega a adversário a culpa que é apenas dele. Oposições existem também para aliviar a consciência pesada de governos que se sentem num funil ético.

A questão instalada no híbrido governo, nominalmente deferido a Dilma Rousseff, mas submetido ao controle remoto do antecessor que saiu para voltar assim que possível, é uma equação de primeiro grau, do ponto de vista político. E, com o nó que está sendo apertado pelo passar do tempo e os obstáculos que não correspondem à facilidade aparente, fornece crescente material à reflexão democrática, da qual andamos distanciados.

O governo Dilma, para não variar, tem o viés que está em grande moda mas não constava do seu programa de governo: ficou dependurado nas
conseqüências que são o produto, quando deveriam se contentar com a categoria de subprodutos, do dois mandatos que a antecederam. Se houvesse oposição, seus oradores já teriam amarrado o saldo negativo no pescoço de Lula, digamos assim, para não confundir com a herança neo-liberal à qual se agarrou para se eleger e governar. Perdeu-se o sentido de oposição que se contentou com o fatalismo histórico da social-democracia, que não se sentiu à vontade entre nós.

A sucessora não sabe que a reeleição, que passou a direito liquido e certo de governantes eleitos no Brasil, recomenda a ruptura do cordão umbilical com o antecessor e, por sua conta e risco, enquanto é tempo faz cerimônia e pensa correr em faixa própria. Ela própria deve ter se assustado quando, sem qualquer sinal, as pesquisas a apontaram como recordista da confiança popular. Tão inesperada que ninguém encontrou o que dizer. Não foi pouco, mas não era tudo. Faltou, politicamente, relacionar a confiança da grande maioria com a disposição ética que demonstrou numa altura, mas não manteve o tom político emitido como sinal de saneamento. O nexo entre o que pareceu disposição política e o efeito saneador surpreendeu por dentro o governo, se é que as aparências dizem mais do que o prestimoso silêncio ouvido dentro e fora do poder.

O fato foi que, daí por diante, Lula deu dois passos atrás, pois cautela e caldo de galinha não fazem mal nem a políticos. Dilma disparou em viagens, os áulicos evitaram o assunto e a moralidade pública foi confiada à própria sorte, que não é tão robusta quanto sabe certo instinto político em franca prosperida. Há uma indecisão que, como uma cortina discreta, explica a razão pela qual a consagração do governo Dilma Rousseff empacou na preocupação ética .Com a palavra a calada razão (ou pressão) que deu a freada de comportamento ético.

Fonte: Jornal do Brasil

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