quinta-feira, 27 de junho de 2013

Por que um plebiscito? - Cristian Klein

Nenhum passo da presidente Dilma Rousseff é dado neste momento sem o balanço de riscos e oportunidades para a eleição no ano que vem. Chegar em 2014 com uma resposta já dada à crise - nos termos populares das ruas - seria como transformar limão em limonada. O pior cenário para Dilma é começar a campanha tendo de explicar à população (ou para parte dela) porque nada foi feito para atender ao clamor dos manifestantes, na maior crise política dos últimos anos. Precisa criar uma vacina para o veneno pronto da oposição, embora haja descontentamento com toda a classe política.

Ainda pior é não conseguir estancar a queda de popularidade - iniciada antes dos protestos - e cuja previsão é que fique em patamares mais baixos depois dos distúrbios deste mês. Por isso, Dilma agiu rápido. Tão rápido que seu pacote de medidas parece não ter tido tempo de ser processado.

Ao sucesso do pronunciamento em cadeia de rádio e TV, na sexta-feira, seguiu-se um excesso de confiança que já é responsável por, pelo menos, dois equívocos. Primeiro, veio a sugestão de convocar uma constituinte exclusiva para tratar da reforma política. Sem conversa prévia com o Congresso, a solução foi rechaçada pelo PMDB - que viu na proposta ameaça de bolivarianismo e contra-atacou com a chantagem de defender o parlamentarismo, caso a ideia fosse à frente. É só uma amostra da encrenca que o assunto poder dar. Advogados constitucionalistas e a OAB jogaram a pá de cal e lembraram que a Carta de 1988 não prevê constituintes específicas.

Risco é o de se criar um Frankenstein institucional

Diante da necessidade de apresentar uma resposta à sociedade, o governo sugere agora um plebiscito. É outra solução fadada à decepção. Diferentemente da consulta popular de 1993 - sobre regime (monarquia x república) e sistema de governo (presidencialismo x parlamentarismo) - um novo plebiscito sobre reforma política trataria de alternativas muito mais complexas. Em 1993, as escolhas eram praticamente dicotômicas. Desta vez, o que está em questão é um sistema de regras de difícil entendimento para a maioria da população. Há opções que só fazem sentido se associadas a outras e aquelas que não são necessariamente excludentes.

A primeira pergunta, como já está sendo sugerida, seria: voto em candidato ou só em partido? Ocorre que sistemas eleitorais não se resumem a estes polos. No distrital misto alemão, por exemplo, o eleitor dá dois votos: um no partido e outro no candidato. No proporcional de lista aberta brasileiro, ao votar no candidato o cidadão também está votando no partido (ou coligação) - e por isso Enéas, Tiriricas, Malufs e Garotinhos ajudam a eleger candidatos menos expressivos. Na lista flexível (Áustria, Bélgica, Dinamarca etc), é possível votar no partido ou no candidato.

E o que ocorreria caso o plebiscito aprovasse um sistema de votação nominal com o financiamento público exclusivo de campanha, que só se justifica com o voto em partidos? É certo que o Congresso ainda daria corpo às escolhas feitas pelo plebiscito. Mas o risco é ficar limitado a juntar partes que, com boa probabilidade, formariam um Frankenstein institucional.

Os manifestantes que foram às ruas querem mudanças. Mas não necessariamente sabem qual é o exato caminho para se chegar até elas. No limite, se for para atendê-las, por que não acabar com os partidos? Trata-se do mito da vontade popular. O próprio desenrolar dos protestos mostrou para uma nova geração - que fez seu batismo cívico ao sair do Facebook e ir para o asfalto - as contradições da imaginada "volonté générale".

Não havia consenso nas propostas pinceladas na miríade de cartolinas erguidas. O caldeirão ideológico entornou a partir do momento em que as propostas temáticas - e mais ou menos consensuais como tarifa de transporte baixa, mais educação, mais saúde etc - deram lugar à contestação do status quo. Ativistas de esquerda do Movimento Passe Livre viram sua bandeira e capacidade de mobilização servirem, supostamente, a causas da direita, como o impeachment da presidente. O mesmo dissenso que há no Congresso fragmentado, há na sociedade (des)organizada. A necessidade de instituições políticas - até hoje não inventaram nada melhor que os partidos - para canalizar as demandas ficou patente. Deu-se o recuo.

Jogar para a população a formatação de uma reforma política tem outra desvantagem. Seria, mais uma vez, um atestado de que o Congresso não consegue fazer o seu próprio trabalho. Nem no assunto que lhe diz mais respeito. Dá razão aos magistrados quando o Judiciário decide usurpar funções do Legislativo.

É verdade que a reforma política, há tempos na pauta, não é aprovada pela inércia natural dos políticos. Eles, como se sabe, não querem mudar as regras do jogo enquanto estão ganhando. É assim aqui e em qualquer lugar do mundo. Só saem do estado de inação quando há a conjunção de fatores inerentes - uma evidente insatisfação com o sistema - e contingentes, ou seja, graves crises econômicas ou políticas, como a que eclodiu neste mês. Dificilmente surgirá oportunidade melhor do que esta para se fazer uma reforma política. Dificilmente haverá tanta probabilidade de se cometer um equívoco.

Em países como a Nova Zelândia, por exemplo, uma reforma política foi realizada a partir do trabalho de dois anos de uma comissão que identificou os principais problemas. Feito o diagnóstico, seus integrantes foram ao "mercado". Conheceram de perto o funcionamento de sistemas eleitorais de alguns países e adotaram o distrital misto alemão.

É essa a tarefa a ser feita no Brasil. Mas qual é o diagnóstico? As manifestações mostraram duas grandes queixas: a má qualidade dos serviços públicos (inclusive a violência policial, que catalisou todo o resto) e a crise de representatividade. A segunda tem a ver com a primeira. E com a sensação de impunidade. O problema é que a população simplesmente não consegue se livrar de notórios corruptos. E não há reforma política que resolva isso. É a Justiça. São as imunidades, os TCUs, as licitações não fiscalizadas, a lentidão dos magistrados. É a pizza da CPI do Cachoeira. É a Delta. É a tentativa de burlar a mal nascida Lei da Ficha Limpa.

Não adianta plebiscito, nem transformar corrupção em crime hediondo, como acaba de fazer o Senado, e deixar tudo o mais intocado.

Fonte: Valor Econômico

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