As jornadas de junho, que prometem entrar julho adentro, quem sabe por quanto tempo persistirão em seu ímpeto que a tudo vem arrostando, agora que já se sabe que ao protesto da juventude — região do social onde tudo começou — deve coincidir com uma massiva demonstração sindical, prevista para o dia 11 do corrente mês. É fato que a agenda dos sindicatos antecede em muito a rebelião juvenil que ganhou fulminante adesão da população dos principais centros urbanos do país que ocupou as ruas em suas manifestações de protesto contra tudo isso que aí está, e que essa agenda amadureceu em um longo processo de deliberação entre os sindicalistas. Também é fato que seus pontos principais foram estabelecidos por fora de motivações especificamente políticas, tais como a redução da jornada de trabalho e a extinção do fator previdenciário, entre outros.
Mas, como se sabe, o diabo mora nos detalhes — é a circunstância da hora presente que situa essa programada ação sindical no teatro tumultuado da cena política atual. São conhecidas as tradições de responsabilidade política e social do nosso sindicalismo, que ocupou lugar de vanguarda nas lutas contra o autoritarismo e pela democratização do país.
O que se espera dele, com sua presença organizada e madura, é mais uma vez intervir no sentido de abrir caminhos, por meio do exemplo de suas ações, para uma saída em que não se perca a oportunidade dessa crise a fim de aprofundar e aprimorar as instituições da nossa democracia, destituindo, na base, as pretensões golpistas e messiânicas que já se fazem ouvir. Em particular, porque essa onda de manifestações ainda não chegou — mas que não tarda — às regiões altamente sensíveis do mundo agrário e das populações indígenas.
Estamos diante de um verdadeiro divisor de águas na história do país, deixando para trás as formas anacrônicas do nosso sistema político, que vem hipotecando a expressão do moderno, cuja palavra chave é a autonomia dos seres sociais diante do Estado e do mercado, ao que há de mais retardatário em nossa sociedade. Não à toa ouve-se das ruas o clamor em favor da abertura da esfera pública à participação popular, até então, mantida ao largo da deliberação das políticas públicas, capturadas pelo jogo de interesses de grupos econômicos e dos políticos que lhes servem, como testemunham à saciedade as da saúde e a dos transportes.
Mas é preciso dizer com todas as letras que os cantos das sereias pela democracia direta em detrimento da democracia representativa com que querem nos enlear, longe de prometer uma demiúrgica aparição de uma potência com o dom metafísico da transformação, nas condições atuais do mundo e do país, camuflam um salvo conduto para o caos e para a liberação dos demônios que nos espreitam, esperando a hora de agir.
Temos em mãos uma carta de navegação — a Constituição de 1988 — já atualizada aqui e ali, e ainda suscetível a outras e oportunas atualizações. É com ela, que admite em seu cerne formas representativas e de participação popular — porque não há muralha da China entre elas —, em meio a essa crise, com seu potencial de ameaças ao que já foi conquistado até aqui, que deveremos seguir viagem.
Luiz Werneck Vianna é professor da PUC-Rio e coordenador do Centro de Estudos Direito e Sociedade.
Fonte: Editorial -Boletim – Cedes. julho-setembro de 2013
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