domingo, 14 de julho de 2013

Reforma política, de novo! - Leôncio Martins Rodrigues

Diante das manifestações populares e, especialmente, da queda em popularidade da presidente, o governo federal não encontrou nada melhor do que trazer à ordem do dia uma reforma política que nem mesmo era uma demanda importante dos manifestantes e que ninguém sabe exatamente qual seria. Mas reformas políticas não são inocentes. Como já mostrou Douglas Rae em seu magistral The Political Consequences of Electoral Laws, as regras eleitorais prejudicam alguns partidos, geralmente os pequenos, e beneficiam os grandes. Ninguém faz reforma política para beneficiar o adversário.

Neste espaço vamos comentar sumariamente algumas das propostas mais importantes. Comecemos pelo voto distrital, deixando de lado a importante questão da delimitação das fronteiras dos distritos. Uma das razões que justificariam a adoção do voto distrital é que os eleitores estariam mais próximos de seus representantes. Há aqui a suposição de que haveria maior proximidade dos candidatos cornos eleitores e que essa proximidade seria benéfica para o funcionamento do sistema. Mas num país federativo da dimensão populacional e geográfica do nosso as situações podem ser muito diversas e as consequências, inesperadas. Em alguns Estados os distritos seriam forçosamente de grande dimensão geográfica e de pequena concentração eleitoral. Em outros, o contrário. Nas 27 unidades da Federação teríamos um leque variado de combinações que podem fazer os candidatos estar mais próximos ou distantes dos eleitores.

A defesa do voto distrital, porém, parte de um pressuposto que necessitaria ser comprovado: o de que o eleitorado é um poço de virtudes cívicas e éticas e tende a punir os políticos de má conduta. Nossa história política mostra que não é bem assim. Políticos corruptos e demagogos, dos que "roubam, mas fazem", são frequentemente reeleitos. A América Latina, em especial, assistiu com frequência à utilização do voto popular para enfraquecer ou liquidar as instituições da democracia. Regimes autoritários podem ter apoio eleitoral e chefes partidários podem chegar ao poder pelo voto.

O sistema distrital tem como um de seus efeitos um veneno mortal para os pequenos partidos, que tendem a ser os mais ideológicos. Se fosse implantado (especialmente na modalidade de maioria simples), tenderia a resultar num sistema partidário de dois ou três partidos, como ocorre no Reino Unido e em todos os países de colonização britânica que adotaram o modelo da antiga metrópole. Seria positivo para a governabilidade, mas reduziria o coeficiente de representatividade. Pequenos partidos doutrinários, depois de algumas eleições sob o sistema distrital, tenderiam a se enfraquecer ou a desaparecer dos órgãos legislativos.

Outra bandeira frequentemente agitada, o financiamento público das campanhas, igualmente conduz os resultados na mesma direção do fortalecimento dos grandes partidos. Serão eles que ficarão com a maior parte da verba vinda do bolso dos contribuintes. Acontece que cumpre haver critérios para a distribuição dos recursos públicos. Não seria lógico (e não aconteceria) que partidos com um número reduzido de cadeiras ou com poucos votos recebessem o mesmo auxílio financeiro que outros com desempenho muitas vezes superior. O financiamento público, em lugar de favorecer os pequenos partidos, contribuiria para a manutenção do status quo partidário.

Passemos a outra proposta sempre imaginada: o sistema de lista fechada. Não vamos discutir aqui as suas modalidades, como a lista partidária bloqueada, em que o eleitor não poderia alterar os nomes nela apresentados, ou a lista flexível, em que o eleitor poderia alterar a ordem ou mesmo excluir nomes. Deixaremos de lado o modo como seria constituída a lista partidária a ser oferecida aos eleitores: em convenção, pela direção partidária, por um comitê ou por outro órgão. Mas a lista, em si mesma, não teria a capacidade de favorecer os grandes partidos ou de fabricar maiorias artificiais nos Legislativos. Seu principal efeito seria aumentar o controle das chefias dos partidos sobre a máquina partidária e, portanto, reduzir a autonomia dos eleitores na escolha dos candidatos.

Por sua vez, a extensão do mandato presidencial para cinco anos, outra proposta que ronda o universo político, teria como efeito a eleição solteira para a Presidência num dado ano. (Por que também não para governador e prefeito?) Depois teríamos eleições municipais e, após dois anos, para aos Legislativos estaduais e federal. O País praticamente só cuidaria de eleições. Seria maravilhoso para os marqueteiros.

Contudo nenhuma das propostas cogitadas pela classe política eleva os índices de representatividade e eficiência do sistema político brasileiro nem, especialmente, diminui a corrupção, o nepotismo e o clientelismo. Nenhuma das eventuais mudanças nos aspectos acima garante que teríamos um sistema melhor que o que já temos.

O sistema eleitoral brasileiro - proporcional com lista aberta para eleições legislativas e majoritário para o Senado e os Executivos – é bastante flexível. E o sistema que dá maior autonomia aos eleitores ante os chefes partidários. Possibilita "candidatos corporativos", "candidatos ideológicos", "candidatos de grupos étnicos" e de outros segmentos minoritários que não teriam chances num sistema majoritário. Certamente, tem muitos defeitos. Mas está na hora de entendermos que não existem sistemas políticos perfeitos. Poderíamos obter melhor resultados se deixarmos de perder tempo com a miragem de grandes reformas e tentarmos medidas corretivas de mais fácil aplicação, como seriam a efetiva aplicação da Lei da Ficha Limpa, a redução do tempo de campanha e do horário eleitoral gratuito.

Cientista político, professor titular do departamento de ciência política da USP e da UNICAMP, seus últimos livros sobre o assunto foram "Partidos, ideologia e composição social" (2002) e "Mudanças na classe política brasileira" (2006)

Fonte: O Estado de S. Paulo

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