Enquanto torcedores assistiam à final da Copa das Confederações, manifestantes entraram em confronto com policiais militares
João Valadares, Pedro Venâncio e Diego Abreu
Rio de Janeiro e Brasília — Se dentro de campo, o Brasil conquistou a Copa das Confederações com uma vitória incontestável sobre a Espanha, do lado de fora do Maracanã, um conflito entre policiais e manifestantes deu a tônica de mais um dia conturbado no país. O protesto foi iniciado à tarde de maneira pacífica, mas, no começo da noite, transformou os arredores do estádio em uma verdadeira praça de guerra. Bombas foram lançadas por policiais em resposta a pedras e garrafas arremessadas. Houve tiros com balas de borracha, pessoas feridas e desespero entre moradores e comerciantes, que tiveram que fechar as portas cedo.
Os manifestantes saíram pacificamente da Praça Saens Peña, no bairro da Tijuca, a um quilômetro do Maracanã, em direção ao estádio. Ao longo do caminho, o protesto foi ganhando adesões. Na linha de frente, homens encapuzados vestiam roupas pretas. Por volta das 18h, o grupo chegou ao cruzamento da Rua São Francisco Xavier com a Avenida Maracanã, onde a polícia montou três linhas de isolamento — com homens da Polícia Militar (PM), da Força Nacional e da tropa de choque — para impedir que os ativistas se misturassem aos torcedores.
A manifestação, que até então seguia pacífica, ganhou contornos de guerra por volta das 18h30, quando parte dos mais de 5 mil manifestantes começaram a jogar garrafas de plástico e pedras em direção aos policiais. A reação da polícia foi imediata. De forma truculenta, os PMs avançaram com força máxima em direção à multidão. Lançaram bombas de gás lacrimogêneo, de efeito moral e sprays de pimenta, além de dispararem tiros com balas de borracha. O caveirão — veículo blindado da tropa de choque da PM — foi ao encontro dos manifestantes, com rifles mirados para as pessoas.
No momento mais tenso do conflito, que durou cerca de uma hora, os manifestantes não recuaram e começaram a disparar fogos de artifício e pedras contra os policiais. O cenário era caótico. Homens encapuzados tentaram fazer barricadas com fogo para impedir o avanço dos policiais. Tudo aconteceu entre dois postos de gasolina. Ignorando os riscos de explosão, policiais continuaram a jogar bombas, e os manifestantes, fogos.
Os jornalistas que faziam a cobertura do protesto ficaram encurralados em dos postos de combustível. Aos gritos, um policial ameaçou os profissionais. “Quem ficar aqui vai morrer!”, repetia o PM. De outro lado, pessoas passavam mal. Uma mulher com o filho no colo chorava muito.
Com as mãos para o alto, um policial do comando da tropa de choque pediu para os manifestantes destacarem um negociador, mas não houve trégua. O grupo se dispersou somente por volta das 19h30, por efeito das bombas que deixaram as pessoas sem conseguir respirar nem enxergar.
Ao fim da partida, o clima era pacífico nas ruas que cercam o Maracanã. Um conflito isolado ocorreu na Rua Moraes e Silva, onde três bombas explodiram. Entre os manifestantes, a maioria protestava contra a realização da Copa do Mundo e contra a concessão do Maracanã para a iniciativa privada. Havia algumas pessoas com bandeiras do PSTU e do PCdoB, que não foram ameaçadas, como ocorreu em atos anteriores.
A polícia apreendeu 17 coquetéis molotov, sete deles com um único manifestante. Em uma rede social, o major Ivan Blaz, relações públicas da PM, afirmou que a corporação tentou negociar, mas em vão. “Não houve possibilidade de negociação, eles se recusam a negociar”, enfatizou. Cerca de 10 mil homens das polícias participaram da operação. Segundo a PM, pelo menos oito pessoas ficaram feridas.
Dentro do estádio, torcedores relataram ter sentido irritação nos olhos, provocada pelo uso de bombas de gás lacrimogêneo na área externa do Maracanã. Por volta dos 30 minutos do primeiro tempo, o público começou a reclamar de incômodo nos olhos. “Já estávamos sentindo algo estranho na arquibancada. Quando fui ao bar do estádio, mais próximo da área externa, meu olho ardeu muito, queimou”, relatou o advogado André Pinheiro, 34 anos.
Outros protestos
Embora o Rio tenha sido o palco do maior protesto do fim de semana, manifestantes também foram às ruas em São Paulo, em Salvador e em Brasília. Na capital paulista, um grupo de 50 pessoas seguiu com bandeiras e faixas em direção a um telão instalado no Vale do Anhangabaú, no Centro, para cobrar investimentos nas áreas de saúde, educação, moradia, trabalho e transporte. Durante a partida entre Brasil e Espanha, os manifestantes pararam para assistir ao jogo.
Em Salvador, onde ocorreu ontem a disputa do terceiro lugar entre Itália e Uruguai, 200 manifestantes foram protestar em frente ao Hotel Bahia, onde estava hospedada a delegação da Fifa. O clima chegou a esquentar quando o grupo se aproximou da barreira policial. Um homem jogou fogos de artifício na polícia, que não reagiu. O ato ocorreu sem maiores incidentes.
Colaborou Amanda Almeida
Linha do tempo
• 6 e 7 de junho — Convocados pelas redes sociais pelo Movimento Passe Livre, 5 mil manifestantes se mobilizam em São Paulo contra o aumento de
• R$ 0,20 nas tarifas de ônibus e metrô. Começam os confrontos com a polícia paulista, que reage com truculência à passagem dos manifestantes.
• 11 a 14 — Atos de protesto acontecem no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os confrontos com a polícia se intensificam.
• 15 e 16 — Primeiro protesto em Brasília, nas proximidade do Estádio Mané Garrincha , com 2 mil manifestantes, marca a abertura da Copa das Confederações. A presidente Dilma Rousseff (foto) é vaiada três vezes pela torcida que aguarda o jogo entre Brasil e Japão. No dia seguinte, o Rio de Janeiro também se torna palco de uma mobilização, nos arredores do Estádio do Macaranã, onde Itália e México se enfrentaram.
• 17 — Quase 300 mil pessoas em mais de 20 cidades ocupam as ruas para protestar, com uma extensa pauta
• de reivindicações.
• 18 e 19 — Moradores de mais de 30 cidades engrossam a onda de protestos. Em São Paulo, a ação é marcada pela tentativa frustrada dos manifestantes de invadir a sede da prefeitura (foto). Há confrontos com a polícia. Começam as depredações. No dia seguinte, mais de 130 mil pessoas em 31 cidades dão prosseguimento às manifestações. Em Belo Horizonte, lojas passam a ser saqueadas nos protestos que
• ocorrem na cidade.
• 20 — Mais de 1 milhão de pessoas em cerca de 100 cidades saem às ruas. A noite fica marcada pela ação de baderneiros que tentam depredar o Palácio do Itamaraty, em Brasília. Os manifestantes jogam até coquetéis molotov nos policiais, que reagem com violência. Prefeitos e governadores anunciam a revogação do aumento
• do preço das passagens.
• 21 — A presidente Dilma Rousseff, em discurso transmitido em cadeia de rádio e tevê, se pronuncia publicamente pela primeira vez sobre a onda de protestos. Ela afirma que vai dialogar com os manifestantes e promete avançar nas demandas da população. O dia é marcado por mais de 150 mil pessoas nas ruas de 80 cidades.
• 24 — A presidente recebe representantes do Movimento Passe Livre e, depois, prefeitos e governadores. Ela anuncia um plebiscito e uma constituinte exclusiva para a reforma política. Os protestos continuam, com mais de 30 mil pessoas, em mais de 50 cidades.
• 25 – Deputados arquivam a PEC 37, que proibiria o Ministério Público de conduzir investigações criminais. Também aprovam a destinação de 75% dos royalties do petróleo para educação e de 25% para saúde. Nas ruas, bandeiras de partidos e de sindicatos são hostilizadas. Em Brasília, a manifestação é menor, mas
• marcada pelos confrontos entre manifestantes e policiais.
• 26 — O STF manda prender o deputado rondoniense Natan
• Donadon (ex-PMDB) por corrupção.
• 27 — Estandartes de partidos e
• de ONGs começam a ser vistos
• no protestos.
• 28 e 29 — Donadon se entrega à PF na sexta. Protestos continuam no país.
Semana será intensa
A presidente Dilma Rousseff passou o fim de semana reunida com os ministros mais próximos. Para evitar vaias, ela preferiu não assistir à final da Copa das Confederações no Maracanã, ontem, no Rio de Janeiro. Mas acompanhou o jogo e, após a vitória do Brasil, parabenizou a Seleção Brasileira (leia mais no SuperEsportes). No domingo, Dilma ficou no Palácio da Alvorada preparando o terreno para a reunião ministerial que convocou para hoje, ocasião em que tratará de soluções para contornar a crise que atinge o governo, cuja avaliação positiva caiu 27 pontos percentuais nas últimas semanas.
Estiveram com Dilma os ministros da Educação, Aloizio Mercadante; da Saúde, Alexandre Padilha; da Justiça, José Eduardo Cardozo; das Comunicações, Paulo Bernardo; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel; e da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas. Dilma tratou com os ministros de assuntos como os itens do plebiscito sobre a reforma política que serão sugeridos em mensagem a ser enviada para o Congresso amanhã.
O Legislativo começa a semana em ritmo acelerado. Além de dar andamento ao plebiscito, os parlamentares terão agenda intensa. Os deputados vão apreciar o projeto, já aprovado pelo Senado, que transforma a corrupção em crime hediondo. Já o Senado quer aprovar a proposta que destina os royalties do petróleo para a saúde e para a educação, e a matéria que institui o passe livre estudantil. (DA e AC)
Agenda
Executivo
A presidente Dilma Rousseff se reúne hoje com ministros para tratar de assuntos como o momento econômico do país. Na reunião, Dilma ouvirá os ministros sobre a onda de manifestações que invadiu as ruas do Brasil e deve acertar os últimos detalhes do texto que pretende enviar amanhã para o Congresso Nacional propondo a realização de um plebiscito sobre a reforma política.
Legislativo
Na Câmara, os deputados devem votar nesta semana o projeto que torna a corrupção crime hediondo. O texto foi aprovado pelo Senado na semana passada. Também deve entrar em pauta — com a tendência de ser rejeitada — a proposta que permite a chamada “cura gay” em consultórios de psicologia. Já o Senado encerra a votação do projeto que destina os royalties do petróleo para as áreas de saúde e educação.
Judiciário
O Supremo Tribunal Federal (STF) realiza hoje a sessão de encerramento do semestre do Judiciário. Ao fim, o presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, deve fazer um balanço sobre os principais julgamentos realizados pelo tribunal nesta primeira metade do ano. Mesmo diante da crise pela qual o país atravessa, Barbosa confirmou que os recursos apresentados pelos réus do mensalão serão apreciados em agosto.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário