“Há muitas explicações para as manifestações que tomaram as ruas em junho de 2013. Arrisco a minha: o nível de consciência cívica e de compreensão crítica da sociedade se elevou nos últimos anos, em razão da democracia e dos avanços socioeconômicos. Como consequência, as pessoas se tornaram mais exigentes em relação às prioridades escolhidas pela Administração Pública, à qualidade dos serviços públicos e aos índices de corrupção da classe dirigente brasileira. Por outro lado, o Estado e as instituições não conseguem reagir e atender, a tempo e a hora, todas as novas demandas que se criaram, seja por cidadania seja por utilidades públicas. Tal situação é grave, mas compreensível: não é fácil, de um momento para outro, superar quinhentos anos de atávica tradição patrimonialista (a gestão da coisa pública como se fosse um bem privado) e oficialista (que faz tudo depender das bênçãos e do financiamento do Estado).
De certa forma, o julgamento e a execução das penas na Ação Penal 470 vieram ao encontro desse sentimento geral. O Direito Penal, no Brasil, tradicionalmente seletivo — duro com os pobres, manso com os ricos — afastou-se do seu curso tradicional e colheu um conjunto de pessoas bem postas na vida. Era esta demanda por republicanismo e igualdade que estava por trás da catarse coletiva que foi o julgamento e o espetáculo exageradamente midiático representado pela concretização das prisões. Havia uma certa euforia futebolística que destoava da dramaticidade da situação de pessoas cujas vidas entravam em colapso.”
Luís Roberto Barroso, “As ruas, a opinião pública, a Constituição e o Supremo”, Consultor Jurídico, 26 de Dezembro de 2013
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