Dilma fala em "guerra psicológica", conceito da ditadura, que a prendeu e torturou. Também emula o estatismo dos generais. Será a síndrome de Estocolmo, doutor Freud?
Daniel Pereira
Os psicólogos chamam de síndrome de Estocolmo a reação que leva pessoas mantidas presas a emular seus malfeitores. Os cientistas políticos, mais cínicos e distantes, dizem que esse processo nada mais é do que a simples necessidade do "oprimido de se tornar opressor". Seja como for, em algum grau, a presidente Dilma Rousseff demonstra admiração pelo regime militar, que a prendeu e torturou por seu envolvimento com grupos armados. Ela já elogiou publicamente a capacidade de planejamento do governo do general Ernesto Geisel, com cuja honestidade pessoal a toda prova e personalidade incontrastável ela claramente se identifica. Sua crença na economia centralizada e no protagonismo do Estado é irmã siamesa das concepções de governo dos militares brasileiros durante o ciclo dos generais.
Na semana passada, Dilma saiu-se com outra tirada cara aos generais: a ideia de que seu governo está sofrendo uma "guerra psicológica". Melhor parar por aí, presidente, senão daqui a pouco a senhora ressuscita o "Brasil, ame-o ou deixe-o".
Em 2013, a economia brasileira registrou um crescimento modesto. As contas públicas se deterioraram e a inflação chegou a superar, momentaneamente, o teto da meta fixada pelo próprio governo. Milhões de brasileiros foram às ruas protestar contra os governantes e a péssima qualidade dos serviços públicos, derrubando por meses as altas taxas de popularidade da presidente da República. Dilma Rousseff também perdeu o apoio de um de seus principais aliados, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que anunciou a pretensão de disputar a próxima sucessão presidencial.
O ano que se anunciava auspicioso foi, na verdade, repleto de dificuldades para a presidente. Mas 2013 não foi ruinoso para o Brasil nem para Dilma. Ela cedeu aqui e ali em suas convicções econômicas e, graças a isso, o Banco Central retomou sua capacidade de controlar a inflação, enquanto o sucesso de algumas privatizações — a do Aeroporto do Galeão, principalmente — mostrou aos investidores privados internos e externos que o governo prioriza a participação deles no desenvolvimento do Brasil.
Mas, apesar disso, a presidente viu-se alvo de uma "guerra psicológica", um despropósito para um país pacífico e um período de relativo crescimento econômico e inegável paz social. Disse ela em pronunciamento à nação:
"Se alguns setores instilarem desconfiança, especialmente injustificada, isso é muito ruim. A guerra psicológica pode inibir investimentos".
Uma guerra precisa necessariamente da existência de dois lados antagônicos, hostis e violentos. No caso da guerra psicológica capaz de inibir investimentos descrita pela presidente fica-se sem saber quem seriam as partes beligerantes. Os investidores não podem estar contra os investimentos. Seria ilógico. Ela não pode ter se colocado de um lado da trincheira e os setores instiladores de desconfiança do outro — pois no seu governo quem mais solapou o ímpeto dos investidores foram seus discursos e os dos seus subordinados.
Em 1969, auge da ditadura brasileira, o país era governado por uma Junta Militar formada pelos comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, apelidados pelo povo de Os Três Patetas. A junta governava por atos institucionais. No de número 14, Os Três Patetas entenderam que sofriam uma "guerra psicológica adversa" (grave seria se fosse uma guerra favorável) e decidiram que a situação era tão séria que para se defenderem poderiam até aplicar a pena de morte. Estavam lutando contra moinhos de vento, e tudo o que desejavam mesmo era o poder absoluto. No caso de Dilma, falar em "guerra psicológica" foi apenas um caso de realocação de responsabilidades com vista ao ano eleitoral de 2014.
A presidente Dilma entra na campanha como favorita. Na área social, os programas governamentais de combate à pobreza têm mostrado resultados. Mesmo na economia, há alguns trunfos. O ritmo de contratações perdeu força, mas as empresas continuam abrindo vagas. A taxa de desemprego, de apenas 4,6% da população ativa, nunca foi tão baixa. Números ruins, como os da balança comercial — que registrou em 2013 o pior saldo em treze anos — e os das contas públicas, diminuíram a confiança dos investidores nas perspectivas do país, mas ainda não se refletiram no bolso dos eleitores.
Além disso, em 2014 espera-se que se consolide a retomada da economia mundial, com aceleração no ritmo de crescimento dos Estados Unidos e da Europa, algo de que o Brasil poderá se beneficiar. Mesmo assim, o cenário não é tão róseo quanto Dilma propala, de olho nas urnas. Até o ex-ministro Delfim Netto, conselheiro informal da presidente, já disse que o governo tem errado e colaborado, por exemplo, para inibir investimentos privados.
A luta de Dilma Rousseff pela reeleição não se anuncia tão simples quanto a conquista do primeiro mandato, em 2010, quando, entronizada por Lula e embalada por um crescimento econômico de 7,5%, venceu o tucano José Serra. Mais talvez do que admiração inconsciente pelos militares, os recursos retóricos de viés autoritário usados por Dilma explicam-se pela necessidade de fazer crer que tudo vai bem, e que o problema está nos outros.
É o velho papel de vítima encarnado pelo PT quando seus integrantes são pilhados cometendo crimes ou quando o governo fracassa em alguma área. Se o crescimento não chega a 3% ao ano e os investimentos privados não saem do papel, a culpa é da ""guerra psicológica". Afora isso, para a presidente o país vai às mil maravilhas. Quem pensa diferente ou quem critica o governo é contra o Brasil.
O ataque aos pessimistas, mesmo sem nominá-los, é flagrantemente infundado. Desde a posse de Dilma, os analistas do mercado fizeram estimativas bem mais otimistas do que os números reais divulgados nas duas últimas semanas. Não se faz "guerra psicológica" errando para cima — ou seja, apostando em indicadores melhores do que os constatados. O crescimento econômico ficou abaixo do esperado, e a inflação surpreendeu para mais . O mercado pode ser acusado de excesso de otimismo, e não do contrário.
Os rivais de Dilma na corrida rumo ao Palácio do Planalto acusam a presidente de vender ao distinto público eleitor um país de faz de conta. "Temos problemas macroeconômicos que precisam ser enfrentados. Há três anos seguidos a América Latina tem crescido 40%, 50% de média a mais que o Brasil. Temos a inflação de volta batendo na porta dos brasileiros", disse Eduardo Campos.
Para o pré-candidato do PSDB, o senador mineiro Aécio Neves, Dilma descreve o país como uma "ilha da fantasia". "Nenhuma palavra sobre as famílias vítimas das chuvas e as obras prometidas e não realizadas. Nenhuma menção à situação das contas públicas, à inflação acima do centro da meta, ao pífio crescimento da economia", afirmou o tucano ao criticar o discurso de Ano-Novo da presidente.
A retórica do otimismo é parte do arsenal eleitoral que já está sendo usado por Dilma Rousseff para conquistar a reeleição — com a ajuda da potente estrutura que ela controla a partir do Palácio do Planalto. A presidente já aumentou o ritmo das viagens pelo país, com destaque para cidades que concentram grande número de eleitores, a fim de anunciar pacotes de bondades que incluem de distribuição de tratores a prefeitos a promessas de obras pelo país afora.
Ela tem usado como nunca as vantagens de estar no comando da máquina pública. Tem explorado as cadeias de rádio e televisão. Desde que assumiu, Dilma convocou redes nacionais de rádio e televisão nada menos que dezessete vezes. No mesmo período de tempo, o primeiro mandato, seu antecessor fez onze pronunciamentos.
Neste início de ano, a presidente lançará mão de mais uma ofensiva. Fará uma reforma ministerial. O objetivo não é melhorar a eficiência do governo, mas, ao dividir os cargos de primeiro escalão entre os partidos, fechar a maior coligação eleitoral da história política brasileira. Isso lhe dará palanques, mas, principalmente, um tempo ainda maior na propaganda eleitoral pela televisão.
Para chegar a esse objetivo vale tudo. Protagonistas do mensalão, como o PTB de Roberto Jefferson, receberão cadeiras no ministério. O governo também usará a publicidade institucional para reforçar programas de apelo popular, como o Mais Médicos e o Minha Casa, Minha Vida, e pretende abrir os cofres para ampliar os investimentos públicos.
Tudo indica que Dilma vai recorrer ao velho hábito dos governantes brasileiros de, em anos de eleição, despejar dinheiro na economia para garantir o emprego e a renda do eleitor em alta. A conta vem sempre mais tarde. Se ela perder, o novo presidente que se vire. Se ela ganhar, tem mais quatro anos para pôr a casa em ordem. Não precisa ser o doutor Sigmund Freud para saber o impacto psicológico positivo desse truque.
Fonte: Revista Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário