Desafio é melhorar desempenho com limitação fiscal
Seja qual for o vencedor da eleição de outubro, o próximo presidente da República se verá diante de um desafio com potenciais implicações não só nos quatro anos seguintes. Tais desdobramentos poderão ser vistos no longo prazo, com possíveis efeitos sobre a solidez da democracia representativa brasileira. Dilma Rousseff ou seu sucessor precisarão, num curto período de tempo, resgatar a crença popular na capacidade do Estado de atender o interesse público.
Não se trata apenas da credibilidade do Brasil junto aos agentes econômicos e financeiros. Isso eles poderão buscar recuperar, por exemplo, no Fórum Econômico Mundial. A tradicional reunião entre líderes, empresários e investidores internacionais ocorrerá em Davos, entre os dias 22 e 25. Um saldo a se comemorar no fim de 2018 seria uma elevação no índice de confiança dos brasileiros nas instituições.
Como se sabe, as manifestações populares observadas a partir de junho de 2013 foram demonstrações inequívocas da insatisfação da sociedade em relação à qualidade dos serviços ofertados pelos governos federal, estaduais e municipais. Elas também evidenciaram o descrédito do setor público, da classe política e dos partidos entre diversos segmentos da sociedade.
Desde então, representantes do Executivo e da oposição buscam obter dividendos políticos ou minimizar os prejuízos resultantes desse cenário de mobilização, o qual poderá se repetir nos próximos meses e sobretudo em meio à realização da Copa do Mundo em meados do ano. O problema é que a polarização política em nada contribui para alterar de forma positiva essa situação. Pelo contrário: resultado da radicalização partidária, o esvaziamento do debate acerca da conjuntura e dos problemas estruturais do país apenas ajuda a alimentar a descrença em relação aos agentes públicos e aos governantes da vez.
No limite, um quadro de insatisfação generalizada pode criar as condições favoráveis para o surgimento de "salvadores da pátria" - personagens que não raro logo passam a figurar nos livros de História como líderes populistas ou antidemocratas. Não surpreende, portanto, os frequentes ataques de petistas e as recentes críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa. Na esteira do julgamento do mensalão, no qual atuou como relator e presidente da Corte, o ministro foi visto por um número considerável de brasileiros como o mestre-sala de uma nova onda de faxina contra a corrupção e potencial candidato a sucessor de Dilma.
É possível argumentar que a reeleição da presidente Dilma Rousseff comprovaria o sucesso da estratégia do governo para resgatar a elevada aprovação verificada antes das manifestações populares do ano passado. Tal ponderação, no entanto, desconsideraria os sinais até agora captados pelas pesquisas de intenção de voto segundo os quais é uma legítima sensação de bem-estar que tem garantido à petista a manutenção da condição de favorita no pleito de outubro. No entanto, o aumento da renda, a queda da taxa de desemprego e do déficit habitacional, a redução da miséria e o maior acesso das camadas carentes da população a bens de consumo antes só disponíveis aos mais abastados não têm neutralizado o descontentamento da sociedade com o que lhe é prestado nas áreas de saúde, segurança, educação e mobilidade urbana.
Prova disso é a manutenção em níveis positivos da avaliação do governo e do desempenho pessoal da presidente Dilma, mas uma perene insatisfação dos eleitores em relação ao desempenho do governo na oferta desses serviços públicos. Não à toa Dilma tem aproveitado todos os canais oficiais de comunicação para buscar convencer seus ouvintes e leitores de que a qualidade de vida do brasileiro vem melhorando de forma contínua. Nesta semana, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, cotado para chefiar a Casa Civil após a reforma do primeiro escalão do Executivo, também apressou-se a cobrar do Congresso celeridade na criação de um órgão dedicado a fiscalizar o Ensino Superior privado. O governo também esforça-se para acelerar o envio de médicos estrangeiros aos rincões e periferias de centros urbanos, política que apenas quem até agora não trocou palavra alguma com os beneficiários da medida é capaz de questionar seu potencial sucesso eleitoral. Paradoxalmente, no entanto, Dilma pouco fez para fortalecer as agências reguladoras - justamente as instituições que foram concebidas para atuar junto aos agentes econômicos e assegurar a qualidade de serviços públicos essenciais.
O descolamento entre a avaliação global do governo e a percepção do eleitorado a respeito de áreas específicas da administração federal não é um problema enfrentado apenas pela gestão Dilma. Luiz Inácio Lula da Silva passou a faixa presidencial para a sua sucessora com um índice de 83% de aprovação. Mesmo assim 23% das pessoas entrevistadas pelo instituto Datafolha ao fim de 2010 apontaram a saúde como a área de pior desempenho do governo Lula, seguida de segurança pública (19%), educação (7%) e corrupção (6%).
Em 2002, embora a nota agregada do governo Fernando Henrique Cardoso tenha sido inferior aos índices obtidos pelos petistas, 19% dos entrevistados pelo mesmo instituto citaram a saúde como a área de melhor desempenho da administração tucana. Na sequência, o setor mais bem mencionado foi a educação (10%). O Datafolha captou ainda que as áreas de pior desempenho no governo FHC foram o emprego (19%) e segurança pública (10%).
A tarefa do próximo ocupante da principal sala do terceiro andar do Palácio do Planalto não será apenas assegurar que o processo de consolidação da recente democracia brasileira avance sem maiores turbulências, reduzindo o desapontamento da população com o desempenho do setor público. Mas fazê-lo num provável cenário de maior limitação fiscal e recrudescimento da radicalização política.
Fonte: Valor Econômico
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