A discussão sobre a lei antiterrorismo brasileira fica emperrada pelo temor de que uma definição muito ampla do que seja o crime possa permitir uma ação autoritária do governo da ocasião para enquadrar movimentos sociais legítimos nas duras penas que seriam aplicadas aos terroristas. E todos aqueles que defendem um rigor na punição passam a ser considerados “white-blocs”, reacionários, saudosistas da ditadura militar.
Os dois acusados da morte do cinegrafista Santiago Andrade responderão por homicídio doloso (com intenção de matar) triplamente qualificado: motivo torpe, que a vítima não teve possibilidade de defesa e que foi usado um artefato explosivo para tirar a vida da vítima, o que demonstra como é preciso recorrer a estratagemas jurídicos para punir com rigor os autores desses atos criminosos, pois a legislação atual é muito branda.
Quando não há mortes, então, aí o melhor é liberar os vândalos, que dá menos aborrecimento político. O tal do "Fox" já havia sio preso duas vezes em manifestações. A pena existente hoje para danos ao patrimônio público, por exemplo, é de seis meses a um ano de reclusão. Os dois também responderão pelo crime de explosão em área pública – com pena de até quatro anos.
O projeto antiterrorismo inclui previsão de pena maior quando há emprego de “explosivo, fogo, arma química, biológica ou radioativa, ou outro meio capaz de causar danos ou promover destruição em massa”.
A preocupação de proteger as manifestações populares é legítima, mas seria desnecessária se nosso sistema democrático estivesse já mais consolidado. Ou se nosso sistema jurídico funcionasse com eficiência e rapidez.
Em democracias maduras a legislação antiterrorismo não impede grandes demonstrações populares a favor ou contra qualquer coisa, com o detalhe de que essas manifestações têm dia e hora marcados com as autoridades locais, que definem qual a área em que elas poderão ser feitas. Esse detalhe é fundamental para que o dia a dia das pessoas seja protegido, para que o cidadão que não está envolvido nos protestos possa ter sua rotina inalterada, ou alterada o menos possível.
Essa discussão toda deixa claro que ainda estamos em uma democracia incipiente, de baixa qualidade, na qual quem se julga “de esquerda” sente-se protegido por suas supostas boas intenções, e quem é considerado “de direita” é automaticamente um ser inferior, culpado de todos os males sobre a terra.
Por isso os black blocs foram tratados, e ainda o são, por setores de nossa intelectualidade e por políticos como uma vanguarda do progresso, e os primeiros movimentos no sentido de enquadrá-los em legislação mais dura encontraram resistência de partidos e intelectuais “de esquerda” que consideram ainda, a despeito da morte do cinegrafista, uma estética de luta perfeitamente adequada à pós-modernidade.
Desde os anos 1980, esse tipo de ação política vem sendo combatido com rigor na Europa e países democráticos como a Alemanha e a Holanda já proibiram os mascarados em manifestações há muito tempo, e nós aqui ficamos brincando de democracia, preocupados com a proteção de pessoas que a desprezam e estão nas ruas para tentar destruí-la.
Se já tivéssemos tido uma ação mais rigorosa, talvez não acontecesse a tragédia que agora todos lamentam. Se partidos políticos de extrema esquerda em vez de apoiar a tática dos black-blocs tivessem repelido as ações violentas desde o primeiro momento, talvez a tragédia não se consumasse.
Se direitistas empenhados em tumultuar o ambiente político não tivessem utilizado o lumpesinato para promover arruaças pelas ruas do Rio, ou se fossem repelidos desde o primeiro momento, talvez a ação desses black-blocs não chegasse onde chegou. Mas todos, no íntimo, achavam que a confusão generalizada serviria a seus interesses imediatos, e foram lenientes na condenação dos atos de vandalismos.
Agora, mais uma vez, nos vemos envolvidos em uma discussão banal sobre a proibição de mascarados em manifestações públicas. O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo a muito custo aceitou a proibição das máscaras, mas ainda assim insiste na possibilidade de os mascarados serem abordados pelos policiais para que se identifiquem, e só depois da recusa poderiam ser detidos.
Ora, quem vai mascarado para uma manifestação de protesto está disposto a se esconder, a fugir de suas responsabilidades. Não há por que aceitar esse tipo de procedimento.
Fonte: O Globo
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