Especialistas apontam que a dificuldade em conceituar o crime se repete em outros países e causa controvérsia nas relações internacionais
Amanda Almeida, Renata Mariz
As polêmicas em torno da criminalização do terrorismo no Brasil, apressada pelo Congresso para entrar em vigor até a Copa do Mundo, se repetem em países que já têm legislação sobre o assunto. Além da dificuldade de conceituar o delito, a aplicação causa controvérsia nas relações internacionais. Um exemplo é a detenção por nove horas do brasileiro David Miranda em agosto do ano passado, no Aeroporto de Heathrow, em Londres, justificada pelas autoridades britânicas com artigo da lei antiterrorista do país. Para o Itamaraty, a prisão do companheiro do jornalista Glenn Greenwald, que denunciou a espionagem norte-americana, foi “medida injustificada”.
Brechas na legislação que podem atingir inocentes e restringir liberdades também se tornaram preocupação no Brasil desde que o projeto em discussão no Senado ganhou força na semana passada. O texto foi apontado por congressistas como forma de combate à violência em protestos, após a morte do cinegrafista Santiago Ilídio de Andrade, atingido por rojão em manifestação no Centro do Rio de Janeiro. A matéria, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), tipifica o terrorismo, mas, para especialistas, contém conceitos vagos, que abrem margem para condenações arbitrárias.
“Na edição do Estatuto de Roma, em 1998, que definiu os crimes contra a humanidade, a criminalização do terrorismo foi rechaçada pelos signatários, justamente por não possuir elementos seguros de definição. Não é tema pacífico na doutrina jurídica. Mesmo na Alemanha, que experimentou movimentos terroristas de verdade, não foi possível obter um consenso sobre como defini-lo”, comenta Juarez Tavares, professor de direito penal da Universidade do Estado do Rio Janeiro e subprocurador-geral da República aposentado.
O atentado à Maratona de Boston, em abril de 2013, é apontado pelo diretor do Centro de Direito Internacional, Délber Lage, como exemplo da dificuldade de se aplicar a definição de terrorismo.
“Muitos teóricos não classificaram o caso como terrorismo, embora tenham causado pânico nas pessoas. Eles alegaram ausência de um grupo minimamente organizado que tenta se valer do terror com uma finalidade política. Diferentemente do Osama bin Laden, não teria sido possível saber o que motivou o que o autor queria”, avalia. Dzhokhar Tsarnaev, da Chechênia, responde na Justiça, com o irmão, por terrorismo. O ato, com bombas artesanais, deixou três mortos e mais de 280 pessoas feridas.
Propostas
O texto de Jucá diz que terrorismo é “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa” e prevê pena de 15 a 30 anos de prisão para o crime. “É inegável que o Brasil, que vai receber delegações de vários países, pode ser alvo de alguma ameaça terrorista. Mas não sei se uma legislação que criminaliza contribui para a prevenção desses atos. Até porque, para a maioria dos atos terroristas, ser crime ou não é algo que conta pouco, já que o autor vai morrer”, avalia Lage.
A criminalização do terrorismo também está prevista na reforma do Código Penal, em tramitação no Congresso. Para senadores, o último texto exclui manifestantes do alvo da legislação. Segundo o texto, terrorismo é “causar terror na população mediante condutas” como as que “tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe”.
Para Cláudio Finkelstein, coordenador da área de direito internacional da pós-graduação da PUC São Paulo, o Brasil deve se inspirar nas discussões coletivas sobre o assunto. “Ainda que internamente possa haver legislações com peculiaridades, o terrorismo desconhece fronteiras. Por isso, os países tentam estabelecer parâmetros assemelhados, inclusive no foro das Nações Unidas.”
Pelo mundo
Veja como a legislação define terrorismo em alguns países:
Estados Unidos
A violência com o propósito de intimidar e coagir a população civil, influir em políticas do governo com intimidações e afetar o governo por meio de assassinatos e sequestros é considerada terrorismo.
França
Atos individuais e coletivos praticados com a intenção de perturbar a ordem pública por intimidação ou terror são enquadrados como terrorismo.
Inglaterra
A lei considera terrorismo o uso de qualquer tipo de violência com o propósito de impor medo no público ou em parcela dele. Suspeitos podem ser interrogados por até oito horas em áreas de trânsito internacional.
Portugal
Considera-se associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que visem prejudicar a integridade nacional, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado, forçar a autoridade pública a praticar um ato ou ainda a população em geral.
Arábia Saudita
Qualquer ato ilegal que mine, direta ou indiretamente, a ordem social, a segurança e a estabilidade do Estado ou ameace a unidade nacional.
Fonte: Correio Braziliense
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