segunda-feira, 10 de março de 2014

Capriles: ‘Se o governo não ceder, haverá conflito’

Para o líder opositor, principal desafio é transformar insatisfação popular em um movimento sólido

Roberto Giusti, do El Universal

CARACAS - A visão moderada de Henrique Capriles tem passado pelo duro teste dos protestos. Para o líder opositor, as manifestações devem persistir, mas é necessário desfazer a polarização e estreitar laços entre a classe média e os setores populares.

Quase um mês após o início dos protestos, há mortos e o conflito parece não ter sido resolvido. No entanto, para parte da opinião pública, o governo sente o impacto e enfraqueceu em algumas frentes. Você compartilha dessa visão?

A morte de qualquer venezuelano me dói na alma. Uma vez eu disse que a única vida que eu estou disposto a arriscar é a minha. Eu me recuso a arriscar a dos venezuelanos por causa nenhuma. Não acredito na violência e em seu custo posterior em vidas, para alcançar um objetivo. Durante estes anos, a minha posição é muito clara: desenhar um caminho direcionado para uma mudança duradoura. O protesto pacífico (artigo 68 da Constituição), ainda que errado em sua abordagem, não é um crime.

Mas essa esperança justifica, caso materializada, o custo em vidas?

Não há nenhuma justificativa para a perda de vidas. Evitei um cenário de centenas de mortos em 17 de abril, quando eu disse ao país que não estávamos indo para a guerra criada por um governo que não se preocupa com a morte de seres humanos, a fim de manter o poder. Uma posição apoiada pela liderança militar. Não havia, então, nenhuma garantia de que ir às ruas mudaria o resultado de 15 de abril (quando Nicolás Maduro venceu as eleições. Qual foi a resposta do governo? Acusar-me de assassino, o que expõe seus dois pesos e duas medidas.

A situação está se repetindo?

Eu não me importo com o que o governo pensa. Valorizo, sim, o que as pessoas pensam. E por isso é importante que os seguidores do governo entendam que a nossa luta não é violenta. Que o esforço do governo para nos aproximar da violência permaneça apenas um esforço de comunicação, mostrando que nosso discurso corresponde a nossas ações. Ou seja, que somos pacifistas e buscamos uma mudança em paz.

Isto é, palavras a mais ou a menos, o discurso do movimento estudantil, cujos líderes argumentam que a violência surge do lado do governo.

O movimento de protesto estudantil é não violento e o da grande maioria, também. Mas a intenção do governo é de que algumas áreas de violência desvirtuem sua razão de ser. Eu nunca fui contra os protestos. Defendo que devem ser preenchidos com conteúdo e falo dos pacíficos, especialmente os de caráter social, que foram cerca de cinco mil no ano passado.

Esse protesto continuado carece de conteúdo?

Isso foi mudando. Os problemas que geram os protestos (a escassez de alimentos e medicamentos, por exemplo) devem tornar-se uma oportunidade para os venezuelanos nos reencontrarmos. Para mim, o protesto não passar por cima de um irmão, mas se juntar a ele na busca de soluções para os problemas que nos afetam de forma igual. Meu esforço foi destinado à construção de uma força nacional que chegue a toda a Venezuela. Devemos quebrar barreiras e nos unirmos em um único bloco com um adversário comum: Nicolás (Maduro) e seu governo.

O governo não tem razão quando adverte que uma das causas de agravamento da escassez de alimentos, por exemplo, é o mês de protestos?

Este governo, imoral de A a Z, não tem razão em nada. O auge foi fingir que a agitação social ou o desastre da insegurança, gerado por eles, seja resolvido por mim ou líderes da oposição.

As pessoas não apoiaram o movimento de protesto estudantil porque, no fundo, acreditam que o objetivo é tirar o governo?

Há um grupo de venezuelanos, grande ou pequeno, (não vou quantificar) que não representa uma maioria cujo sentimento está ligado ao país que você tem a oferecer, e não a uma agenda de um ou dois pontos políticos. Este grupo tem a abordagem de que o governo deve sair. Uma posição legítima, porque eu compartilho desse desejo. Mas eu quero que isso aconteça para acabar com a inflação, a insegurança, o desemprego, a escassez, a crise na Saúde. Essas são as razões para tirar o governo. Eles, mesmo quando desconectados do sentimento da maioria, têm todo o direito de falar nas ruas, desde que não violem os direitos dos outros, porque isso desvirtua a razão de seu protesto. No entanto, eles têm de ser adicionados ao movimento, porque todos esses problemas também os afetam.

Quer dizer que o protesto é desconectado do ...?

Eu não digo “protesto”, porque existem vários protestos...

Falo do protesto liderado pelo movimento estudantil.

Também não. O protesto dos estudantes conectam-se com sua causa e suas exigências.

Mas se conecta com setores populares?

Sim, porque muitos alunos vêm deste meio social e, além disso, é legítima a demanda para a libertação de seus companheiros. Lembre-se que a origem do protestos foi a tentativa de estupro contra uma estudante de Táchira.

Se é assim, então o protesto está sendo apoiado por todos.

O descontentamento social é mundial. O desafio é transformá-lo em um movimento. Que passemo do sentimento à ação. E isso é alcançado se a razão, que apela para a ação, conecta-se com seus sentimentos.

Eu pensei que a ação estava em pleno andamento há quase um mês.

Sim, mas essa ação, se estiver repleta de conteúdo, permite que se tenha a força para superar o governo.

Por que não age nesse sentido se o senhor é o líder da oposição?

Vamos neste rumo. Mas não vale falar do que foram nossas diferenças, porque no final eu não procuro ter razão. Isso é irrelevante. Agora, o desenvolvimento dos eventos está nos dizendo que passamos do final do filme para o início.

Poderia explicar?

O final do filme é a mudança de governo, mas para alcançá-lo você deve ir para o início do filme: a grave crise do país, que conecta com a agitação social. Isso lhe dá a oportunidade para dizer ao governo ao fim do filme: ou muda, ou sai.

Se a oposição tivesse vencido as eleições (regionais) de 8 de dezembro, teriam sido dadas as condições para o fim do filme?

Haveria outro cenário. Esse era o meu objetivo logo após o roubo que nos fizeram em abril, com uma eleição fraudada que permitiu a Nicolás permanecer onde está, graças ao controle dos poderes que ainda estão sequestrados. Então, precisamos falar honestamente às pessoas e parar de mentir, porque assim chegamos a muitos fracassos. Quando aos cinco dias da morte de Chávez assumi uma candidatura para a qual ninguém dava a menor chance, eu fiz isso a partir da perspectiva da verdade. Qual é a minha autocrítica? Deixei de falar com a classe média. Mas essa força não tem motivo para ser perdida, porque pode se reconectar com a maioria. Algumas pessoas dizem: “Nós estamos esperando que as favelas venham”, Não, irmão, as favelas não virão sozinhas.

Não se supõe que a liderança das favelas deve sair delas mesmas?

Claro. Pessoalmente, todo o esforço que fiz foi nos setores populares, nas pessoas mais humildes, para ganhar a sua confiança. Mas quanto tempo foi gasto para fazer política na TV? Há quanto tempo os setores populares não são visitados? Há quanto tempo não se organiza e incentiva as lideranças de lá? Há quanto tempo, no caso de Caracas, dedica-se a uma parte da cidade e deixa-se a outra? Por que a cada vez que uma eleição vem há centenas de candidatos para representar um setor da cidade, o mais fácil de ganhar, e no outro ninguém quer concorrer? Estas são reflexões que devem ser feitas para a construção de uma maioria de verdade.

Você está reconhecendo que neste momento a oposição não tem a maioria?

Eu estou dizendo que neste momento há uma maioria, mas que não se articula sozinha. 80% do país acha que as coisas vão mal. Isso não quer dizer que todos esses apoiem a oposição, mas que quem quer uma mudança tem o desafio de transformar esse sentimento em um movimento social com uma base sólida.

Mas como, se o jogo está travado?

Não está.

Se não está, qual é a saída?

Ela está vindo porque a atitude do governo vai gerar uma crise política mais profunda e isso abrirá uma saída. Não vejo outra. A não ser que uma explosão social ocorra. Circunstância que eu me recuso a considerar.

Você poderia explicar o primeiro cenário?

Diante de um jogo travado, você tem que ceder. O que isso significa? Respeitar a Constituição.

Quando se fala de ceder, de que setor fala?

Do Governo.

Mas o governo vai ceder?

Por que não?

Porque trabalha com a lógica de governo totalitário.

Então vamos para a agitação social.

O senhor diz que, se o governo não ceder, vamos ao conflito?

Com certeza. Não promovido por Capriles. Provavelmente há muita coisa que ainda não vimos. Com 25 dias o governo de Carlos Andrés Pérez ruiu e depois ele saiu.

A mesma coisa pode estar acontecendo agora?

Pode ser que ocorra neste momento.

Então os protestos enfraqueceram o governo.

Depende de como terminarem.

Como isso vai acabar?

Há um protesto que seguirá. O que pode acabar é o (protesto) político. Mas não há porque deixar que acabem, porque os problemas que os provocam estão vivos. É necessário gerenciá-los.

Esses problemas não estão fora do debate?

Agora não. Hoje (sábado) há um protesto contra a escassez. Segunda-feira, pela Saúde.

O senhor fala de uma correção de estratégia?

Há uma mudança de rumo por parte da maioria frente a um governo que está interessado na polarização e na violência. Infelizmente há setores da oposição que caíram nesse jogo porque acreditam que ficam em uma posição vantajosa. É um erro grave, e uma fraude ao povo que quer mudança.

Os protestos não transcenderam os partidos e até mesmo o movimento estudantil?

Isso não é ruim.

Não é, mas, com as coisas desse jeito, quem vai dirigi-los?

Todos.

O senhor sente que está recuperando sua posição de liderança?

Isso não importa.

Mas as lideranças não são necessárias?

Eu realmente não gosto de falar em primeira pessoa, mas ninguém pode dizer que eu não tenho sido consistente e coerente com o que tenho defendido desde o primeiro dia. Com a luta para construir uma mudança que dure mais de 48 horas. Quando eu disse para as pessoas “Cuidado com ‘Maduro, saia já’, porque isso significa ‘Diosdado (Cabello, presidente da Assembleia Nacional), venha já’”, me disseram: “Puxa, é verdade, e se ele vai, quem vem?”. Para essa pergunta eu respondo: o que você quer, que Maduro saia ou todo o modelo mude? Bem, a minha luta é para mudar o modelo.

O senhor acha que é possível alterar o modelo com o mesmo governo?

O modelo pode mudar se o povo chavista repetir o que aconteceu no dia 14 de abril, quando 700 mil deles votaram em Capriles. Traíram a última palavra do comandante, que era o slogan da campanha de Maduro? Não. Apenas sentiram que Capriles tinha um projeto melhor, e não podemos perder isso.

Fonte: O Globo

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