- O Estado de S. Paulo
Mal se passavam 20 dias do governo Dilma, em janeiro de 2011, e os jornais noticiavam a demissão do então secretário Nacional de Justiça, Pedro Abramovay, que deveria assumir a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). Embora Abramovay tenha, de forma politicamente elegante e cautelosa, atribuído a saída a um convite para atuar fora do governo, tornou-se conhecida a verdadeira motivação do fato: a inconformidade da presidente com uma entrevista na qual ele defendia, dentre outros pontos, uma política distinta e menos punitiva para pequenos traficantes.
Ao promover a saída do governo de quem enunciava ideias próprias, a presidente enviava uma mensagem tenebrosa aos membros da administração: seria defenestrado quem se atrevesse a ter iniciativas que não passassem antes pelo seu crivo. Esse talvez tenha sido o primeiro gesto publicamente visível de um estilo de gestão marcado pela obsessão por controle e centralização decisória - muito distinto daquele de seus antecessores, Lula e Fernando Henrique. Outros gestos se seguiram, reforçando o anedotário: a preocupação de Dilma em monitorar os planos de voo do avião presidencial, a disposição a analisar pessoalmente os projetos da Finep, que ultrapassassem determinado valor, o isolamento na construção do marco do setor elétrico, os esculachos em assessores etc.
Certa feita, num questionamento que fiz a um membro de longa data dos governos petistas sobre o quão verazes eram as críticas e os reclamos acerca dessa obsessão controladora da presidente, ouvi a seguinte resposta: "Ela não é nem do tipo que olha a floresta, nem do que olha as árvores. Ela se ocupa das folhas". Note-se que a observação não proveio de um oposicionista, mas de um fiel membro das administrações do PT. Tal estilo, num governo que precisa gerir 39 pastas ministeriais, é realmente algo muito preocupante.
E o fato é que tal estilo fatigou muitos dentro do governo e do partido, aumentando o número dos que - mesmo aderentes ao projeto político mais amplo - já têm dificuldades de suportar a liderança presidencial. Esse cansaço, somado aos resultados econômicos medíocres e ao clima difuso de insatisfação social, ambos refletidos nas cada vez mais preocupantes pesquisas de intenção de voto e avaliação da gestão, tem alimentado as dissidências internas - no governo e na campanha.
Fala-se num grupo dilmista e noutro, lulista. Evidência dessa cisão seriam os ataques desferidos contra Franklin Martins e Gilberto Carvalho pelos membros do primeiro grupo, tendo-se aventado até mesmo a demissão do secretário-geral da Presidência. Fosse apenas uma divisão decorrente de alinhamentos políticos antigos, a situação não seria tão grave e bastaria buscar uma recomposição. O problema maior reside no fato de que o cisma tem raízes mais profundas, geradas pela insatisfação de um amplo contingente com a condução política presidencial. Ironicamente o problema ocorre com o PT, uma agremiação dotada de razoáveis disciplina e coesão - apesar do histórico de lutas entre facções. Os anos no governo contribuíram para reforçar a coesão, mas o estilo presidencial, por um lado, e o risco cada vez mais plausível de uma derrota, por outro, têm minado a unidade.
Por outro lado, o PSDB, que compareceu às três últimas disputas presidenciais cindido entre facções regionais (mineiros x paulistas) ou com seus caciques conflagrados (Serra x Alckmin x Aécio), parece finalmente alcançar um armistício interno. Ele decorre de dois fatores. Por um lado, o relativo declínio interno da liderança beligerante de José Serra, após seguidos fracassos e desgastes. Por outro, uma composição entre facções que passou pela concessão da candidatura vice-presidencial a um paulista serrista, em sacrifício de eventuais avanços em regiões aonde o PSDB é mais frágil.
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