• Como o antigo aliado do governo ignorou uma sutil sugestão para ser vice de Dilma e costurou uma candidatura com o difícil discurso da 'nova política'
João Domingos, Isadora Peron - O Estado de S. Paulo
Numa dessas coincidências que mudam o curso da história, quem deu o empurrão que faltava para Eduardo Campos decidir lançar a sua candidatura à Presidência da República foi Dilma Rousseff. Em janeiro de 2013, o então governador de Pernambuco pelo PSB foi chamado pela presidente para uma conversa na Base Naval de Aratu, em Salvador, onde ela passava férias. No bate-papo, o aliado ouviu da petista: "Quero mais quatro anos de mandato para concluir o trabalho que Lula iniciou". Em seguida, sugeriu, sutilmente, que ele poderia ser vice na chapa reeleitoral do ano seguinte.
Campos nada disse, mas a sinalização de que Dilma estava disposta a abrir mão de Michel Temer e do PMDB para entregar a vaga de número 2 da República ao PSB ficou em sua cabeça. Aquela havia sido uma longa tarde. A presidente falou muito de amenidades e pouco de política. Depois de a conversa rumar para a beleza do artesanato pernambucano, Campos começou a ficar impaciente e resolveu perguntar se ela realmente pretendia disputar a reeleição. Foi ali que Dilma fez a sugestão.
"Eu lá sou homem de ser vice? Sou um fura-gol", disse a amigos e parentes depois de deixar a Bahia. Diferentemente da maioria dos brasileiros, que quando se refere à palavra gol estão falando de futebol, a frase de Campos fazia menção ao handebol, esporte do qual foi atacante - ele chegou a disputar o campeonato brasileiro pelo time juvenil de Pernambuco. Quem o conheceu jogando a modalidade diz que Campos foi, de fato, um fura-gol.
Ele agregava ao significado da expressão conquistas recentes: em 2010, foi reeleito governador no 1.º turno, com 82,8% dos votos. Dois anos depois, o PSB se consagrava como a legenda que mais crescera nas eleições municipais.
Carregava também na lembrança uma conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem sempre foi muito próximo: "O senhor será candidato?", perguntou Campos a Lula ainda em 2012. "Não", respondeu o ex-presidente da República. "Então eu sou." O petista pediu que ele aguardasse até 2018. Poderia ser o candidato de uma ampla frente de esquerda. Como faz costumeiramente, Campos não deu uma resposta a Lula.
Outra frase - essa dita pelo secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira - também não saía de sua cabeça:
"O PT tem a estrutura dos velhos partidos comunistas. Não quer aliança, quer adesão".
Depois do encontro na Bahia, Campos confidenciou a poucas pessoas a conversa que teve com Dilma. Nada falou sobre a possibilidade de se candidatar à Presidência, por mais que já houvesse, intimamente, tomado a decisão de concorrer. Siqueira conta que tentou arrancar alguma posição do então governador, sem sucesso.
Embora não se pareça fisicamente com Miguel Arraes, Campos herdou do avô - além do gosto pela política - a mania de não responder quando algo não lhe agrada. "Arraes rosnava alguma coisa quando não queria responder. O Eduardo olha para a gente e não rosna nada. Fica calado. Não dá para saber o que ele pensa", diz Siqueira.
O avô. Preso após o golpe militar de 1964 quando era governador de Pernambuco, Arraes exilou-se na Argélia depois de passar mais de um ano na cadeia. Chegou ao país africano em 14 de junho de 1965. Campos nasceria dois meses depois e só conheceria Arraes aos nove anos, quando os pais o levaram para visitar o avô no exílio.
Arraes teve dez filhos. Afirmava que tinha pedido a Deus para que nenhum deles optasse pela carreira política. Mesmo assim, chamou Campos para ser seu secretário quando ele mal tinha chegado à maioridade. E viu nascer no neto a vocação política.
O ar desconfiado também é uma característica que Campos puxou do avô. Se por um lado ele não conseguia esquecer da insinuação-convite de Dilma para ser candidato a vice, por outro sucessivos fatos políticos aumentavam a sua desconfiança e tornavam o rompimento com o PT cada vez mais iminente.
Primeiro, o então governador de Pernambuco começou a se incomodar com o fato de Dilma dar mais prioridade aos pleitos dos irmãos Cid e Ciro Gomes do que aos dele, que era presidente nacional do PSB. Depois, acompanhou de perto a movimentação do PT para tentar cooptar a ala do partido ligada a ele. Viu ali a intenção de enfraquecê-lo politicamente.
Fidelidade. Aliado da sigla desde a primeira candidatura de Lula, em 1989 - a exceção foi 2002, quando o PSB lançou Anthony Garotinho a presidente -, o pernambucano passou a ser visto pelos petistas como uma ameaça ao projeto de poder do partido. Nos primeiros meses do ano passado, Dilma o chamou várias vezes ao Palácio do Planalto para saber quais seriam os seus planos para 2014. Campos sempre desconversava. A única promessa que a presidente conseguiu arrancar dele foi a de que o PSB seria fiel ao governo em 2013. Nem isso aconteceu.
À medida que o tempo passou, Campos foi aumentando o tom das críticas ao governo. Escolheu como foco a política econômica adotada pelo governo Dilma. Incomodada com aliado nada fiel, a presidente cogitou expulsar o PSB da Esplanada. Foi então que a sigla decidiu se antecipar e entregar os dois ministérios e os demais cargos que o partido ocupava no governo. Era setembro de 2013 e Campos dava o primeiro passo concreto rumo a sua candidatura.
Ao mesmo tempo, ele passou a fazer intervenções em alguns diretórios locais para afastar dirigentes que eram claramente favoráveis a Dilma ou ao PT e, assim, garantir um PSB fiel em importantes Estados, como no Rio e em Minas. Isolados na defesa pelo apoio à presidente, os irmãos Gomes decidiram trocar o partido pelo PROS.
Sem volta. Poucas semanas depois de o PSB ter deixado a base aliada, Campos daria o passo definitivo rumo à corrida presidencial. No início de outubro de 2013, a Justiça Eleitoral rejeitou o registro à Rede Sustentabilidade, partido que a ex-ministra Marina Silva tentava criar para participar das eleições deste ano. Um dia depois, Marina ligou para o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e pediu para ele contactar Campos. Ela tinha um recado: queria se filiar ao PSB e apoiar a candidatura dele à Presidência. "O governador não acreditou. Perguntou se eu tinha bebido", conta Rollemberg.
Um desconfiado Campos desembarcou em Brasília no mesmo dia para uma conversa com Marina. Ele parecia não acreditar na proposta da ex-colega de Esplanada, com quem teve duros embates durante os primeiros anos do governo Lula quando ele estava à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia e ela ocupava o cargo de ministra do Meio Ambiente.
A aliança entre os dois foi selada com festa em Brasília no dia 5 de outubro e recebida com surpresa no meio político. Lula classificou a união de dois de seus ex-ministros como um "soco no fígado". A aliados próximos, disse que a reviravolta no quadro eleitoral havia transformado Campos em um candidato com real potencial na disputa ao Palácio do Planalto. Até então, o ex-presidente alimentava a esperança de conseguir fazer o antigo aliado voltar atrás e apoiar a reeleição de Dilma.
Nove meses depois da união, a dupla começa hoje a campanha presidencial sem uma real dimensão de como essa jornada irá terminar. A sonhada transferência de votos de Marina, que nas eleições de 2010 obteve mais de 19 milhões deles, não aconteceu no ritmo esperado e as pesquisas têm apontado Campos em terceiro lugar, patinando na casa dos 10%, atrás de Dilma e do tucano Aécio Neves.
Apesar de repetirem que a candidatura de Campos só irá deslanchar depois de meados de agosto, com o início da propaganda eleitoral no rádio e na TV, dirigentes do PSB admitem que o período da pré-campanha foi mais difícil do que o esperado. Além de contar com uma estrutura menor do que os dois principais adversários, Campos teve de administrar as querelas com o grupo de Marina, principalmente em relação à montagem dos palanques estaduais.
Defensora da chamada "nova política", a ex-ministra afastou possíveis aliados com suas exigências e censurou publicamente decisões de diretórios estaduais do PSB, como o de São Paulo, que optou por apoiar a reeleição de Geraldo Alckmin (PSDB), e o do Rio, que fez uma aliança com o PT do senador Lindbergh Farias.
'Raposas'. Influenciado por Marina, Campos começou a criticar a distribuição de cargos em troca de apoio e repetiu inúmeras vezes que, se eleito, governaria sem as "velhas raposas" da política. Não foi exatamente esse modelo que adotou quando foi governador de Pernambuco. Em quase oito anos à frente do Palácio do Campo das Princesas, procurou acomodar na administração pública cada um dos mais de 15 partidos que fizeram parte da sua base aliada.
Ao deixar o governo do Estado no início de abril para disputar a Presidência, fez da cerimônia de transferência de cargo para o sucessor João Lyra (PSB) um grande comício e dividiu o palanque com autênticos representantes da política tradicional, como o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) e o deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE).
Diante dessas contradições, o desafio da dupla agora será o de levar ao eleitor a mensagem de que eles são, de fato, os candidatos da renovação política e que representam a mudança. Em contraposição à rivalidade histórica entre PT e PSDB, irão apostar no discurso de que são a única alternativa capaz de unir o País e fazê-lo avançar.
Para tentar garantir o seu nome no 2.º turno, Campos parou de criticar apenas a gestão da presidente Dilma Rousseff e voltou sua carga também contra o tucano Aécio Neves, de quem tinha se aproximado num primeiro momento da pré-campanha e selado um pacto de não agressão. Pelos anos de amizade, o único que foi poupado até agora foi Lula. Até agora.
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