• Uso indevido da máquina leva contribuinte a pagar por propaganda eleitoral
- O Estado de S. Paulo
Com o fim do prazo legal para que governantes aproveitem os últimos momentos para posar ao lado de suas benfeitorias, na semana passada o País assistiu a um festival de inaugurações, lançamentos de pedras (nem sempre) fundamentais e solenidades do gênero patrocinadas por candidatos à reeleição.
Ou melhor, sob o patrocínio compulsório do público pagante de impostos, uma vez que esses "eventos" governamentais são feitos na medida exata da necessidade do horário eleitoral de cada um deles. Fazem parte da chamada produção de conteúdo dos programas que irão ao ar a partir de agosto.
Produção esta a ser paga pelos partidos com o dinheiro de doações de empresas, de pessoas físicas, do fundo partidário e da maneira como as agremiações acharem melhor, mas é responsabilidade delas.
O horário dito gratuito, como se sabe, já é devidamente financiado pelo público mediante a renúncia fiscal a que têm direito as empresas de comunicação pela cessão do espaço.
Ocorre que, se parte do conteúdo é decorrente de atos de governo custeados pela máquina pública, os programas dos candidatos à reeleição também acabam sendo em parte pagos pelo contribuinte. Isso sem que ele seja informado nem que perceba sua condição de doador compulsório.
Tal deformação do conceito de igualdade de condições entre os candidatos a uma eleição, o abuso de poder e o uso indevido dos instrumentos de Estado ficaram muito nítidos na maratona de inaugurações da semana passada.
O mutirão da semana passada incluiu governadores, com destaque para Geraldo Alckmin, de São Paulo, que inaugurou obra incompleta do Rodoanel, e Luiz Fernando Pezão, do Rio, cuja agenda incluiu a entrega de um hospital com apenas 20% da capacidade de funcionamento.
Nenhum deles, contudo, superou em mobilização de recursos e esmero de espetáculo a presidente Dilma Rousseff. Ela teve uma semana intensa no quesito benfeitorias de última hora, mas o clímax deu-se na quinta-feira.
Uma superprodução sob a batuta do marqueteiro João Santana, com o anúncio da entrega de 5.460 unidades do programa Minha Casa Minha Vida e a promessa de contratação de outras 2,75 milhões até o final deste ano para serem construídas a partir do início de 2015.
Promessa esta vã, a julgar pelo que apurou o jornal O Globo junto ao Ministério das Cidades. Não há previsão para publicação da portaria para o detalhamento do programa para que as construtoras possam comprar terrenos, desenvolver e aprovar projetos. Segundo representantes do setor da construção civil, um projeto leva no mínimo seis meses para ficar pronto, o que já torna inviável o prazo dado por Dilma.
Alheia a esses detalhes da realidade, na quinta-feira, de Brasília, a presidente comandava no papel de âncora a entrega de casas em 11 cidades de sete Estados e mais o Distrito Federal, onde estavam dez ministros estrategicamente colocados em bases eleitorais de seus respectivos interesses.
O anúncio poderia ter sido feito no Palácio do Planalto. Não teria sido necessário que a Caixa Econômica Federal gastasse R$ 1 milhão com a montagem de palanques em 11 cidades, nem que a Empresa Brasil de Comunicação gastasse outro R$ 1 milhão com a transmissão da teleconferência.
Essa exorbitância em período tão especial autoriza a suposição de que por trás dele exista o propósito do uso e abuso de prerrogativas governamentais para outros fins. A menos que João Santana pretenda desperdiçar as imagens, o megaespetáculo não foi produzido só para gerar manchete do dia seguinte, o que teria um efeito passageiro.
O aproveitamento do material no programa da candidata à reeleição atende ao objetivo de exaltar os feitos do governo.
O PT estima seus gastos com a campanha eleitoral em até R$ 290 milhões. Falta computar os recursos públicos com os quais o partido poderá contar, e já está contando, por meio de expedientes como esse.
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