- O Estado de S. Paulo
"Não conheço ninguém que tenha votado em Dilma. Como ela pode ter sido eleita?" Tal pergunta, frequente nas redes sociais, animou 2,5 mil pessoas a irem à rua pedir o impeachment da recém-reeleita e, em alguns casos, defender a volta da ditadura militar. O questionamento à legitimidade do pleito também está nas entrelinhas do pedido de "auditoria" da eleição presidencial feito pelo PSDB à Justiça eleitoral.
Embora diferentes em tom e propósito, são simbólicos. Tanto a suspeição do resultado das urnas insinuada pelo vencido, quanto a apelação explícita de cidadãos inconformados com a derrota por intervenção militar. Mesmo que os eventos sejam inconsequentes, vale investigar o fenômeno de opinião pública na base de ambos.
A propalada divisão eleitoral do País é geográfica, mas não pode ser totalmente vislumbrada nos mapas de fronteiras estaduais, nem sequer municipais. Afora sua inconstitucionalidade e xenofobia, a ideia de um muro que separasse os eleitores de Dilma Rousseff (PT) e de Aécio Neves (PSDB) pressupõe que eles vivam em Estados ou, ao menos, cidades distintas. Não é o caso.
Na Bahia, onde a petista venceu com 70% dos votos válidos no 2.º turno, o tucano tem 2,1 milhões de eleitores. São três vezes mais pessoas do que ele teve de votos em Mato Grosso do Sul, onde saiu-se vitorioso. Há mais aecistas baianos do que goianos, mato-grossenses, acrianos, roraimenses, capixabas, brasilienses e rondonienses - a despeito de os eleitores de tais unidades da Federação terem preferido Aécio a Dilma.
Ao mesmo tempo, só no município de São Paulo, onde Aécio teve 64% dos votos válidos, Dilma tem 2,3 milhões de eleitores. É mais gente do que o eleitorado que sufragou a petista em todo o Pará, onde ela foi a mais votada. E não só. Numericamente, os paulistanos que votaram na petista pesaram mais para sua vitória do que os piauienses, potiguares, paraibanos, amazonenses, alagoanos, sergipanos, tocantinenses e amapaenses.
A segregação de eleitores de Dilma e de Aécio existe, mas é muito mais profunda e complexa do que os mapas podem revelar. Ela ocorre, na maioria das vezes, dentro das cidades. Os eleitores de um e outro vivem no mesmo município, mas convivem muito pouco entre si. Cada grupo conversa quase exclusivamente dentro do seu gueto político-eleitoral - e ignora o outro.
Na média do Brasil, um eleitor tem 2,4 vezes mais chances de encontrar alguém que vote como ele para presidente do que alguém que vote no outro candidato - não importa se ele prefere Dilma ou Aécio. No Estado de São Paulo, a segregação cresce: a chance de encontrar um semelhante é 3,5 vezes maior do que um diferente. Em alguns lugares, essa chance é até 15 vezes maior.
O cálculo é baseado nos resultados por zona eleitoral do pleito presidencial. Como mais de 70% dos eleitores demoram menos de 15 minutos para ir até o local de votação, a zona eleitoral pode ser considerada uma unidade espacial. Dois eleitores que votem numa mesma zona têm maior probabilidade de morar perto um do outro do que longe. Portanto, têm mais chances de conviverem.
Por causa da segregação, há pouca troca de palavras entres os divergentes. Cada grupo tende a conviver dentro de sua própria bolha, repetindo ideias preconcebidas sem que haja contraposição de argumentos - pois todos concordam entre si. Em época de eleição, essas ideias viram slogans e, logo, preconceitos. Aí, quando os contrários se encontram, não há debate, só confronto.
Esse fenômeno de guetização da política é agravado pelas redes sociais. Os eleitores tendem a seguir quem pensa parecido. O Facebook só coloca nos "feeds" de notícias do usuário aquilo que seu algoritmo imagina que seja do seu agrado e interesse. Assim, os guetos de opinião tendem a ser cada vez mais homogêneos entre si e heterogêneos no conjunto. É a receita para o conflito.
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