Raquel Landim – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A presidente reeleita Dilma Rousseff está presa em um dilema: se quiser recuperar a credibilidade de seu governo, será obrigada a um forte ajuste fiscal, com grandes chances de provocar uma recessão.
A avaliação é de José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, ex-secretário de política econômica do governo FHC e um dos conselheiros do candidato derrotado do PSDB à presidência, Aécio Neves.
"É exatamente o contrário do discurso eleitoral que dizia que o ajuste recessivo seria feito pela oposição", disse à Folha.
Para Mendonça de Barros, as chances de o Brasil perder o grau de investimento "não são desprezíveis", o que vai afugentar ainda mais os investimentos, comprometendo a capacidade de crescimento da economia. "O Brasil não está preparado para crescer. Gastaram-se todas as fichasº.
Folha - Quais serão os desafios do próximo governo da presidente Dilma?
José Roberto Mendonça de Barros - Antes de discutir o segundo mandato, temos que falar de 2014, que ainda não terminou. Tenho convicção que o desempenho será pior do que o projetado. A falta de água e o aumento do preço da energia elétrica vão derrubar o PIB. O consumo industrial de energia elétrica caiu 5%.
Nos últimos 12 meses, a indústria perdeu 120 mil vagas. Vai piorar porque muitas empresas estavam esperando as eleições para demitir.
O investimento está cada vez mais fraco. Estamos projetando queda de 8% este ano. Os desequilíbrios estão em todas as frentes: fiscal, inflação, crescimento, energia elétrica, petróleo, etanol.
A economia parou e o investimento está caindo, logo a capacidade de crescer está comprometida. Em qualquer cenário, vamos crescer pouco no ano que vem. Estamos projetando alta de 0,5% do PIB.
Os analistas estão preocupados com a capacidade do governo de recuperar a credibilidade. Qual é a sua opinião?
A retomada do investimento tem que começar pelo ganho de credibilidade. E, neste caso, a reeleição é francamente pior do que o cenário de vitória da oposição. O cenário básico da reeleição é mais do mesmo e o que modelo atual é muito ruim.
A tarefa de construir reputação é difícil e vai muito além de uma pequena alta de juros ou de um novo ministro da Fazenda. As empresas, especialmente as multinacionais, serão iguais a São Tomé: vão precisar ver para crer.
Se o governo ganhar credibilidade, o investimento deslancha?
Várias empresas estão tendo resultados piores este ano. Quando começou a ficar claro que 2014 seria um ano muito fraco, muitas decisões de investimento já tinham sido tomadas em 2013.
O que aconteceu ao longo deste ano? Todos os custos subiram e as vendas não cresceram, derrubando o lucro enquanto o endividamento subia.
Algumas empresas já estão em fase de perda patrimonial. Isso significa que vão ter que estar muito confiantes em relação ao futuro para voltar a investir.
Dilma prometeu na campanha que o ajuste da economia seria gradual. E possível?
É o que deveria ser feito. Mas quanto menor a credibilidade, mais curto tem que ser o ajuste. Se for lento, ninguém vai acreditar. Exatamente o oposto do discurso eleitoral que dizia que a oposição faria um ajuste recessivo.
O governo hoje tem um dilema: precisa de um ganho rápido de credibilidade, mas isso exige um ajuste brutal. Não sei que solução vai ter, mas eles estão presos nesse dilema.
O maior equívoco da discussão política é que o Brasil está pronto para crescer. Não é verdade. O consumidor está endividado, o investimento parou, perdemos competitividade no exterior e as finanças públicas estão um caos.
Qual vai ser a fonte de crescimento? Gastou-se todas as fichas. Por isso, a eleição foi tão apertada.
Quanto tempo o governo tem para convencer o mercado?
No curto prazo, estamos aguardando o novo ministro. Mas isso movimenta o jogo de rouba monte do mercado financeiro. Não é o mais importante.
O jogo principal é se as empresas vão voltar a investir. Tivemos quatro anos de piora de expectativas e isso não muda de uma hora para outra.
No fim do primeiro semestre do ano que vem, as empresas vão se perguntar: mudou o modelo de crescimento ou continua o intervencionismo? Se a avaliação for que o modelo mudou, pode ser que o investimento volte. Eu não acredito que vá mudar.
Por quê?
A percepção do centro do poder é que a reeleição ratifica que o caminho está certo. As mudanças serão apenas táticas: controlar um pouco o gasto, aumentar a Selic em 50 pontos. Isso não é mudança de concepção da economia.
Se o desemprego subir, o governo muda a política econômica?
O emprego não vai cair de uma hora para outra, mas escorregar devagarinho porque menos gente está procurando trabalho. Não vamos ter um tombo, mas um gradual parada da economia.
O que é capaz de romper esse ciclo? Investimento. Se tiver uma recessão, pelo menos vai ser uma recessão de esquerda ± o governo não vai poder dizer que é neoliberal.
Um ajuste fiscal hoje exige aumento de carga tributária?
Muita gente acha que sim. Se vai ter ou não, não sei. Depende do corte de gastos e da expectativa do mercado. Em geral, esse governo só posterga gastos. Nessa confusão dos últimos anos, não acredito em um ajuste fiscal de verdade.
Qual é a chance de as agências de rating rebaixarem o Brasil? Caso ocorra, quais serão as consequências?
Não é desprezível. Está na mão do governo. 2015 já é um ano perdido. O que está em jogo é o desempenho da economia em 2016.
Se perdemos o grau de investimento, vamos continuar sem crescer. O capital financeiro até pode sair do país, mas não será uma avalanche. É possível deter essa saída com aumento de juros.
Mas as multinacionais vão investir em outros países. Dificilmente fecharão fábricas, mas não vão investir aqui. As empresas brasileiras também vão mais para exterior. Tem muito ativo barato na Europa.
Não será uma fuga de capitais, mas sofreremos um redução no acréscimo de capital. É preciso explicar direito e evitar o discurso verbal desonesto.
Mesmo com baixo crescimento, a inflação não cede. Por quê?
Já temos reajustes salgadíssimos previstos para a energia elétrica e é inescapável reajuste de combustível.
Não vejo a menor queda dos preços dos serviços, porque eles respondem aos salários. A contribuição negativa do preço dos alimentos também já passou.
Os custos salariais, logísticos e de tributos não param de subir. Isso estimula as empresas a aplicar um reajuste maior para salvar margens de lucro.
Com tudo isso somado, a inflação não cai, apesar da atividade em zero. Vão elevar o juro até onde?*
A decisão do Copom de elevar a Selic foi uma surpresa?
Totalmente. Não subiram antes por causa da eleição e achei que iam esperar a nova equipe econômica. É uma tentativa de recuperar credibilidade. Faz três anos que o Banco Central vem dizendo que a inflação vai convergir para o centro da meta e isso não acontece.
A investigação de corrupção na Petrobras vai impactar a economia?
Claro. A investigação envolve grandes empresas. O jogo é complicado. Esse tipo de coisa paralisa as companhias. Que funcionário da Petrobras vai assinar hoje um contrato de um grande investimento?
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