- O Globo
A busca do diálogo para superar as divergências, tanto no Oriente Médio quanto no mundo atual, pluralista e não hegemônico, foi o tema central não apenas do seminário da Academia da Latinidade, quanto das conversas paralelas mantidas com as autoridades de Omã, que pretendem ter uma presença mais forte na região.
O fato de a Academia da Latinidade contar com a presença em seus debates de intelectuais latino-americanos de diversas correntes, e ser dirigida por um deles, o sociólogo e membro da Academia Brasileira de Letras Candido Mendes, serve de ponte para que o entendimento entre as religiões, preconizado pelo ministro dos Assuntos Religiosos de Omã, Sheik Abdullah bin Mohammed Al-Salmi, possa se concretizar com o apoio do argentino Papa Francisco, o primeiro latino-americano a assumir o posto. O Sheik disse ontem que está à espera de um chamado do Vaticano para concretizar o projeto. Nos contatos que teve com membros do governo de Omã, Candido Mendes pôde constatar o real interesse que têm em expandir suas ideias pela região.
O vice-primeiro-ministro Fahd bin Mahmoud al Said, por exemplo, em conversa ontem pela manhã, disse que há muito se aboliu a ideia de minorias em Omã, para que não houvesse cidadãos diferentes uns dos outros. Mesmo protegendo as minorias, diz ele, elas ficam marcadas, e a diversidade de uma sociedade, para ser um valor agregado, precisa ser tratada com naturalidade, e não destacada. Para o primeiro-ministro, uma valorização das religiões tradicionais encurtará o espaço para a ação de fundamentalistas como os do Estado Islâmico . Em uma de suas intervenções no seminário, Candido Mendes chamara a atenção para a dificuldade encontrada por regimes surgidos da Primavera Árabe, como na Tunísia e no Egito, de separar o Estado da religião , e provavelmente por isso entusiasmou-se tanto com a posição omani de afastá-los totalmente.
Ele teme que não haja um entendimento completo de que a "guerra de religiões" elimina a possibilidade de um encontro dentro das subjetividades coletivas no mundo multipolar em que vivemos. O sociólogo de Singapura Syed Farid Alatas fez um grande estudo sobre a possibilidade do diálogo, e concluiu que para facilitar o diálogo entre religiões é preciso que sejam evitados os estereótipos, que, alimentados pelo viés educacional, quer sejam orientados por educação orientalista ou eurocêntrica, acabam se refletindo na mídia. Ele advoga que haja maior in ter câmbio entre cientistas sociais na Ásia e África, para que esses estereótipos sejam superados.
Ao mesmo tempo, diz que o diálogo não deve ser limitado a conversas entre as elites, acadêmicos e políticos, mas deve ser um diálogo desmistificador que favoreça a vida do homem comum, objeto primeiro desse diálogo. Também o poeta e escritor Marco Lucchesi, da Academia Brasileira de Letras, analisou o que chamou de "novos espaços" para o diálogo diante de um novo pluralismo que vem provocando no mundo mudanças transgênicas profundas. Ele cita algumas: Los Angeles é a maior cidade budista do mundo; a Igreja Católica está crescendo mais rapidamente na Ásia; a Inglaterra tem tantos muçulmanos quanto anglicanos.
Segundo Lucchesi, a teologia das religiões hoje é parte de um plano maior e mais variado que mostra que não há saída que não o diálogo. Diz ele que "não há mais lados opostos. Estamos todos do mesmo lado, envolvidos em redes de diálogo que normalmente é árduo, mas profundamente reflexivo e delicado, onde a religião se mostra sensível ao outro num ensinamento ecumênico". Para Lucchesi, o diálogo não pode ser limitado por uma fria, asséptica, estufa inabitada. Se fosse isso, seria apenas um simulacro, não teria a beleza da descoberta do Outro.
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