quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Incertezas complicam a gestão da dívida mobiliária – Valor Econômico / Editorial

A campanha eleitoral teve impacto direto na dívida mobiliária federal e sua gestão será certamente mais uma das difíceis tarefas da equipe econômica do novo governo, agravada pela possibilidade de rebaixamento do risco de crédito. As agências de avaliação do crédito soberano sinalizaram a intenção de aguardar os primeiros movimentos do futuro governo antes de mudar suas avaliações. Mas, o espaço para a complacência diminuiu bastante depois que a Standard & Poor's (S&P) tomou a dianteira e rebaixou a nota do Brasil em março, de BBB para BBB-, na fronteira do investimento especulativo, deixando a impressão de que as outras agências ficaram defasadas ao manter avaliações mais favoráveis ao país.

O ambiente de incerteza criado inicialmente pela disputa eleitoral e, agora, pelas indefinições a respeito das novas diretrizes da política econômica dificultaram a rolagem dos papéis públicos, encareceram o custo de financiamento e reduziram os prazos de vencimento.

Um dos primeiros problemas foi a volatilidade e a alta dos juros dos títulos, refletindo a expectativa em relação ao grau de investimento e, mais recentemente, o aumento da taxa básica (Selic). O custo médio de emissão de títulos em ofertas públicas - que inclui a taxa interna de retorno dos papéis no mercado doméstico e a variação de seus indexadores -, passou de 11,44% em agosto para 11,76% em setembro e atingiu 12,14% em outubro. Em dezembro do ano passado, estava em 9,33%, quase três pontos abaixo.

Além disso, houve o encurtamento do prazo médio dos papéis. No fim de 2013, da dívida mobiliária interna, 25,5% venciam em 12 meses. Em agosto, o percentual já estava em 26,52% e passou para 26,92% em setembro e 24,78% em outubro.

Nesse ambiente de incerteza, não passou desapercebido o grande aumento de operações compromissadas do Banco Central (BC), revelando a preferência dos investidores por negócios de curto prazo e risco menor. O total de operações compromissadas aumentou cerca de 37% no segundo semestre, passando de R$ 661 bilhões em junho para R$ 905 bilhões em outubro - um bolo formidável, equivalente a mais de 40% da dívida mobiliária total, que constitui mais um fator de pressão sobre os juros, como notou o colunista do Valor, Yoshiaki Nakano (1/11).

A outra face do aumento das compromissadas é a redução das ofertas primárias de títulos públicos. Em agosto, o volume de títulos vendidos em leilão totalizou R$ 52 bilhões, bem abaixo dos R$ 71 bilhões resgatados. Em setembro, foram vendidos menos títulos ainda, R$ 42,67 bilhões, para um total de resgates de R$ 57,66 bilhões. Agora em outubro, as emissões da dívida interna somaram apenas R$ 35,59 bilhões para resgates de R$ 84 bilhões, resultando em uma redução de R$ 48,42 bilhões da dívida. Assim, o estoque total da dívida pública diminuiu 1,29% para R$ 2,15 trilhões.

Desde o início do ano, os resgates líquidos da dívida mobiliária federal somam quase R$ 170 bilhões e a previsão é de que o volume pode fechar o ano em R$ 110 bilhões. Já no ano passado os resgates superaram as novas emissões em R$ 87 bilhões, o que não acontecia desde 2007, quando estourou a crise internacional. A matemática desfavorável reflete a preocupação do investidor com o risco e mostra que o governo brasileiro, apesar de pagar um dos juros mais elevados do planeta, está com dificuldade de vender seus títulos. Além disso, realimenta a preocupação com a situação fiscal pois indica que o Tesouro tem mais uma fonte de gastos, que é fazer frente aos resgates (Valor 17/11).

Do lado positivo, há o interesse dos investidores estrangeiros pelos títulos brasileiros, já interpretado como sinal de que haveria maior otimismo no exterior em relação ao Brasil do que dentro do próprio mercado doméstico; ou simplesmente resultado da estratégia de buscar ganhos maiores. O total da dívida mobiliária nas mãos de estrangeiros saiu de 16,1% em dezembro de 2013 para 18,8% em agosto; atingiu 19,32% em setembro e 20,28% em outubro.

Relatório da área externa divulgado na segunda-feira pelo Banco Central revela que essa tendência pode estar mudando. Em outubro, houve o ingresso líquido de US$ 3,511 bilhões de investimento estrangeiro no país, acumulando no ano US$ 29,02 bilhões canalizados para a renda fixa. Dados parciais deste mês registram o resgate líquido de US$ 519 milhões até o dia 20, volume pouco representativo frente ao total acumulado, mas que não deixa de ser um sinal de alerta.

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