• É necessário um plano multianual crível para reverter a tendência de crescimento da dívida bruta
- Valor Econômico
Os dados divulgados pela Secretaria de Tesouro Nacional, logo depois das eleições, apresentam um quadro fiscal e de endividamento público bastante preocupante. Em setembro de 2014, o resultado primário foi negativo em R$ 25,5 bilhões e o resultado nominal (déficit público nominal global) alcançou R$ 69,4 bilhões, o que, no acumulado de 12 meses chega a 4,92% do PIB. O estoque de dívida pública bruta alcançou R$ 3,1 trilhões, representando 61,7% do PIB.
É verdade que o péssimo desempenho da economia brasileira, em termos de crescimento do PIB, explica em parte esse comportamento, mas podemos verificar que, comparativamente ao passado recente, o desempenho fiscal piorou bastante depois de 2011, posterior portanto ao período 2009/10 no qual o governo praticou corretamente uma política anticíclica. Veja ao lado no gráfico de resultado primário apresentado pelo Tesouro.
Da mesma forma, quando comparamos o nosso desempenho com o quadro internacional, a situação é ainda mais preocupante. Segundo o Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI) de outubro de 2014, o déficit nominal do setor público para os países desenvolvidos é de, em média, 3,9% do PIB e, para os países emergentes e de renda-média de, em média, 1,9% do PIB. Para o Brasil, atualizando-se com os dados recém divulgados pelo Tesouro Nacional, a estimativa para 2014 é de um déficit de mais de 5% do PIB. Portanto, teremos um déficit público maior do que de países desenvolvidos, que vivem uma crise fiscal decorrente da crise financeira de 2008, e mais do que duas vezes e meia do que o dos países emergentes.
Quando comparamos o endividamento do governo, o quadro é melhor em relação aos países desenvolvidos que ampliaram seu endividamento de cerca de 25 pontos percentuais do PIB em função da crise financeira. Com isso, a dívida pública nestes países alcançou, em média, cerca de 106 % do PIB. Mas, quando comparado aos países emergentes, o nosso quadro é péssimo. O Brasil é o país que tem maior nível de dívida pública, segundo os dados do FMI, que deverá alcançar cerca de 66 % do PIB, comparado a uma média em torno de 40% do PIB para os demais emergentes e países de renda média.
Aliás, para estes países, 40% do PIB é aceito por muitos economistas como o limite superior e prudencial de endividamento, dadas as suas instituições frágeis. No nosso caso, além de frágeis instituições fiscais, as pressões sociais e políticas por ampliação dos gastos governamentais são muito fortes e para ter espaço para fazer políticas anticíclicas deveríamos estar dentro deste limite. A nossa dívida pública ultrapassa em muito este limite prudencial.
A situação é mais grave ainda quando analisamos o prazo médio de vencimento da dívida e a necessidade total de financiamento do setor público. O prazo médio das operações definitivas com títulos públicos federais é de 3,76 anos! Ainda, a parcela que vence em doze meses vem caindo desde 2011 e alcançou 26,52% do total em agosto de 2014. Sendo que do total de R$ 2,075 trilhões de dívida pública mobiliária federal em agosto de 2014, R$ 883,2 bilhões eram financiadas no Banco Central em operações compromissadas intradia e "overnight", o que representa 42,56% daquele total!
O setor público está vivendo uma situação como se nós estivéssemos próximos a uma hiperinflação, pois mais de 40% da dívida pública mobiliária federal está sendo financiada diariamente no mercado de moeda e não no mercado de poupança, como deveria ser. A incerteza e a crise de confiança estão levando a uma busca por liquidez.
Do total da dívida pública do setor público brasileira até agosto de 2014, o montante rolado diariamente no "overnight" representa 28,2%.
Este quadro gera uma pressão brutal sobre o mercado financeiro, o que acaba pressionando a taxa de juros. O pagamento de juros nominais acumulado até setembro já alcançou 5,53% do PIB. A taxa de juros implícita, considerando o custo e retorno das reservas cambiais e outras operações do governo pagas pelo Tesouro Nacional, é de cerca de 17% ao ano. Entre dívida vencendo neste ano e o deficit público esperado, a necessidade total de financiamento deverá alcançar mais do que 26% do PIB.
Dado este quadro é óbvio que somente um ajuste fiscal muito forte poderá reverter o quadro de grave crise de confiança e de expectativas negativas. É necessário um plano multianual crível para eliminar o déficit e reverter a tendência de crescimento da dívida bruta para que os investimentos produtivos voltem a crescer.
Yoshiaki Nakano com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).
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