• Ela é fundamental para melhorar a nossa democracia. Mas, para avançar no combate à corrupção, serve apenas como muleta retórica - e nada se faz
Alberto Bombig e Vinícius Gorczeski – Época
Em junho de 2013, quando as manifestações contra os políticos se alastraram pelas ruas do Brasil, a presidente Dilma Rousseff propôs cinco pactos à nação como forma de melhorar a vida dos brasileiros. Entre eles estava a convocação de um plebiscito para que o eleitorado pudesse decidir sobre a convocação de um processo constituinte destinado a fazer a reforma política. Era apenas um exercício de retórica e marketing para acalmar as ruas. A reforma política não era uma reivindicação dos manifestantes. Tratava-se apenas de uma tentativa de introduzir no debate uma falsa questão. No dia 15 de março, quando milhares de brasileiros insatisfeitos com Dilma e seu governo foram às ruas para protestar, entre outras coisas, contra a corrupção, novamente o tema da reforma política voltou ao debate, novamente colocado pelo PT e pelo Palácio do Planalto. Ela seria, no entender do governo, uma forma de diminuir os desvios do financiamento de campanha.
Não será a última vez que a reforma do sistema político e eleitoral será evocada como panaceia para os males que afligem a República, especialmente no caso da corrupção. Essa estratégia subordina-se à cultura populista dos grandes pactos, concertações e proclamações que raramente dão em coisa alguma pelos seguintes motivos: a) não existe comprovação empírica de que um sistema político pode ser mais eficaz no combate à corrupção que outros; b) não há consenso quanto à forma ideal do financiamento de campanha, mesmo nos chamados países desenvolvidos; c) a melhor maneira de combater a corrupção passa pelo fortalecimento das instituições e dos órgãos de controle, como o judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal
Por que então a presidente Dilma e outros políticos lançam sempre essa carta sobre a mesa? "Culpar o sistema e fazer tábula rasa de todos os partidos e políticos é um artifício de transferência de responsabilidades", afirma Carlos Pereira, doutor em ciência política pela Universidade de Oxford e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Com isso, os políticos se colocam como vítimas desse próprio sistema." Segundo o cientista político José Augusto Guilhon Albuquerque, professor da Universidade de São Paulo, falar em reforma política é um jeito de fugir da questão e inviabilizar o debate. "A classe política prefere conviver com as dificuldades conhecidas a arriscar as facilidades ainda não testadas", diz Guilhon, "Corrupção não deriva diretamente do sistema político, tem mais a ver com a segurança jurídica - a insegurança jurídica é um convite à corrupção."
O clamor nacional pelos grandes pactos é uma muleta do período pós--redemocratização no Brasil. Afundado em grave crise econômica, o governo José Sarney (1985-1990) lançou mão desse recurso antes de tentar seus planos econômicos, como o Plano Cruzado. Sarney propôs um pacto com empresários e sindicatos para combater a inflação, ainda em 1985. O governo quis convencer empresários e sindicalistas a fazer um acordo em que os dois lados fariam concessões em nome da salvação nacional. Não deu certo, entre outras coisas, porque o próprio governo federal não fez a parte dele. O governo Fernando Collor (1990-1992) também tentou, por duas vezes, um pacto com empresários e sindicatos de trabalhadores. Outro fracasso. Quando a crise de corrupção acuou seu governo, Collor também foi à TV propor uma união dos brasileiros contra os que, segundo ele, queriam tirá-lo do poder. "Geralmente, quando o governante fala em pacto, é porque perdeu a iniciativa política. Essas propostas sempre aparecem nessas circunstâncias de governos acuados", diz o historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos.
As propostas mirabolantes de reformas políticas, vendidas como soluções mágicas que acabarão com a corrupção, ignoram também que o Brasil vem evoluindo institucionalmente no combate a esse mal desde a década de 1980. A Constituição de 1988 deu autonomia ao Ministério Público. A Lei de Improbidade Administrativa, de 1992, permitiu outro avanço ao estabelecer punições, como multas e suspensão dos direitos políticos por até dez anos, para os agentes públicos que obtêm vantagens pessoais — e indevidas — no exercício de sua função. Ela tem sido usada pelos procuradores para enquadrar os agentes públicos que receberam propina no esquema de corrupção da Petrobras e estão envolvidos no escândalo da Operação Lava Jato. Investimentos sucessivos na Polícia Federal, feitos por vários governos, triplicaram seu efetivo desde 1995, de 4.500 para 12 mil homens.
Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o Brasil firmou acordos internacionais para trocar informações com outros países com o objetivo de inibir o fluxo internacional de recursos de origem ilícita. A criação de Varas de Justiça especializadas em crimes econômicos deu mais rapidez e eficácia aos julgamentos dos casos de lavagem de dinheiro e de crimes de colarinho branco. Também em 2001, a criação da Controladoria-Geral da União (CGU) dotou o governo federal de uma agência de combate de corrupção, com poder de fiscalização dos gastos públicos e de paralisação de obras em que há indícios de desvio de dinheiro. Recentemente, o instituto da delação premiada, mediante o qual um criminoso reduz sua pena ao delatar sua participação e a de outros numa organização criminosa, dotou as instituições de um instrumento novo no combate ao crime organizado.
O combate à corrupção é sempre uma tarefa hercúlea", diz Nikos Passas, professor e pesquisador da Escola de Criminologia e Justiça Criminal da Northeastern University, nos Estados Unidos. A cientista política Susan Rose-Ackerman estudou como a sociedade nos Estados Unidos reagiu à corrupção política no século XIX. "A mudança veio a partir de uma coalizão de progressistas que, baseada na forma como eles acreditavam que o governo deveria operar, pressionou contra a corrupção", diz. uEm seguida, os empresários se uniram a esses progressistas, reclamando que não recebiam os serviços pelos altos impostos que pagavam. Finalmente, alguns políticos se juntaram na luta por reforma. A fórmula varia de país para país: a pressão pode vir inicialmente de setores da economia, ou da política, ou de idealistas. A questão é que eles se juntem para fazer com que algo aconteça.
Para o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, o Brasil do século XXI pode estar na iminência de fazer uma mudança do mesmo vulto que os Estados Unidos fizeram no século XIX. Em primeiro lugar, há um grande escândalo de corrupção e uma forte reação popular. "A Lava Jato é um ponto fora da curva por diversos fatores", diz Dallagnol. ""Parece que o Universo conspirou para que tudo desse certo, é uma janela histórica de oportunidade de mudança" A Operação Lava Jato é exemplar: pela primeira vez, grandes empresários estão presos, ainda que provisoriamente. Isso pode desestimular o uso de propinas como parte dos custos para fechar um negócio. Não há solução mágica. Os avanços contra a corrupção precisam ser feitos aos poucos, a partir da mobilização da sociedade com cobranças dirigidas a seus governantes.
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