- O Estado de S. Paulo
Beira a irracionalidade o procedimento do governo federal, da classe política e, sobretudo, das centrais sindicais e dos sindicatos diante da crise que marca os primeiros meses do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Apesar das oscilações econômicas registradas nos últimos 30 anos, em que se entremeiam momentos de otimismo com longos períodos de abatimento, nada semelhante ocorreu desde o governo João Goulart.
A artificiosa euforia em torno das condições sociais e econômicas se esfarelou e o povo, da classe A à classe D, de empresários a beneficiários do Bolsa Família, convenceu-se de que foi vítima de grotesca manipulação. Foram 12 anos de mentiras, corrupção e falcatruas, que os fanáticos petistas não devem ignorar.
O escândalo dos séculos, revelado pela Operação Lava Jato, como capítulo trágico da história da decadência moral que tomou conta do País, relegou a segundo plano o mensalão, e outras maquinações do mesmo gênero, levando muitos, como dizia Ruy Barbosa, a terem vergonha de ser honestos.
O sucatamento do parque industrial, responsável pela ascensão do Brasil a posição de destaque entre as principais economias mundiais, acarreta irrecuperável retrocesso na história do desenvolvimento.
Quantas empresas encerraram atividades? Quantas reduziram drasticamente o número de empregados? Qual a real taxa de desemprego? Como se encontra o parque automotivo, em determinado momento um dos mais importantes do mundo? O que acontece com os setores sucroalcooleiro, calçadista, de confecção, tecidos, autopeças? Como anda a construção civil, termômetro do mercado de trabalho?
Empregados de todos os níveis, em número desconhecido e de difícil apuração, de médias e pequenas empresas subcontratadas por poderosas empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobrás, foram cortados por causa de interrupções de obras e de atrasos de pagamentos. Hoje engrossam o exército dos desempregados, sem perspectivas claras de recolocação.
Desconfiado dos dados oficiais, recorro a cadernos de economia dos grandes jornais e começo a temer que a crise também os tenha atingido, obrigando-os a cortar na carne e liberar mão de obra de excelente qualidade.
"Ajuste fiscal deixa cidades desamparadas"; "queda das vendas leva Zona Franca a cortar 15 mil vagas, com a retração das vendas de aparelhos de televisão e de motos no primeiro bimestre do ano"; "montadoras têm 17 mil operários em férias e em lay-off"; "a Embraer produzirá o Phenom nos EUA"; "vendas de imóveis residenciais em março recuaram 27,4%"; "antes de melhorarem, as coisas têm de piorar" - essas são notícias recolhidas ao acaso no Estado deste mês de maio.
Diante do panorama sombrio, que leva milhares de pais de família a retornarem alarmados para casa, finda a jornada e após assistirem à demissão de centenas de companheiros, como reagem as entidades sindicais pelegas? Do pensamento limitado dos dirigentes brotam ideias criativas, sugestões capazes de colaborar para a superação da tragédia?
Como de hábito, não. Salvo escassas exceções, permanecem presos à ideia de que a CLT é intocável, reivindicam redução da jornada para 40 horas, aumentos superiores à inflação e, organizam greves por tempo indeterminado ou greves relâmpago para impedir dispensas. Para a maioria pouco importa se a empresa entrar em colapso por falta de vendas. Diretores de organizações sindicais gozam de estabilidade, são pagos com recursos do imposto sindical, não correm riscos, mesmo se a economia desaba e provoca ondas de desemprego.
Duas ideias originais surgiram, finalmente, em Brasília. O ministro Luís Roberto Barroso proferiu decisão, em recurso extraordinário (RE 590.415 - Santa Catarina), na qual reforma acórdão do Tribunal Superior do Trabalho e assegura a validade da adesão a Plano de Desligamento Voluntário (PDV). Já o ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, aponta a necessidade de construção de modelo trabalhista capaz de atender às necessidades do mercado.
Para S. Exa., coexistem duas posições antagônicas. "As lideranças sindicais e a elite jurídica no Direito do Trabalho, que tratam as novas relações contratuais como mera evasão das leis, tentam reprimir ao máximo qualquer mudança. Eles não reconhecem que o que está havendo é uma transformação profunda das práticas produtivas em todo o mundo". Prossegue: "Já ao grande capital a visão é totalmente de curto prazo, pensa apenas em baratear o trabalho, o que é incompatível com a dinâmica da produtividade, que exige a qualificação do trabalhador. Há, portanto, de se construir um terceiro caminho" (Estado, 2/5).
O ministro Luís Roberto Barroso, em sutil crítica ao modelo vigente, adverte: "A concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de aprender com seus próprios erros, contribui para a permanente atrofia de suas capacidades cívicas e, por consequência, para a exclusão de parcela considerável do debate pública". Indiretamente condenou a presunção legal de que todo trabalhador é incapaz ou hipossuficiente.
Parece-me que a terceira via sugerida pelo ministro Mangabeira Unger se traduz na preservação de direitos adquiridos, oferecendo, em contrapartida, segurança jurídica aos contratos e distratos individuais, e reconhecimento de plena validade dos acordos coletivos.
A economia mundial passa por radicais mudanças. Quem se revelar incapaz de adaptação às exigências da globalização e da informatização da sociedade fará companhia aos derrotados.
A República sindicalista implantada pelo PT jamais nos elevará à posição de País desenvolvido.
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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
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